Morrendo e ainda seguindo; é isso que estou fazendo. Remoendo um sentimento difuso que pertence somente à meus sentidos humanos, que não mais deveria existir.
Os pequenos flocos brancos, caindo em espirais desalinhadas, só serviram para me deixar mais raivoso e triste.
E toda essa agonia em mim sorvendo fez meu corpo estremecer. Subi as escadas que levam ao sótão, ouvindo a nevasca, repleta de ira, bater contra as janelas.
O que houve agora, Boneco de Neve? – Nicholas assobiou uma música que eu acredito ser do Elvis Presley.
– Nada, Elvis. Pode fazer o que quer que esteja fazendo, a vontade – sentei no tapete jogado de qualquer jeito no chão de madeira.
Alguém aí está estressado? Vai um sorvete para esfriar os miolos?
Estressado. Eu queria estar apenas estressado. Queria estar somente lidando com coisas estressantes. Mas não era isso... Estou triste. Triste, triste, triste triste, triste. Triste como chuva na madrugada, gélida e solitária. Triste como neve após um dia cálido, cobrindo as calçadas e os fantasmas do dia anterior.
– Só preciso de um tempo... – revirei os cadernos e agendas de Nicholas que, desalinhados, se aprumam numa prateleira comprida pintada de azul-anil.
O que está procurando aí?
Regulei a tristeza em minha voz, tentando engolir a bola de basebol que, inevitavelmente, instalou-se em minha garganta.
– Preciso pôr para fora o que estou sentindo. Quer melhor forma que fazer isso se não escrevendo? – passei os dedos delicadamente pelas lambadas, gritando para mim mesmo NÃO PENSE NELA!
Quem é ela? – Nick ouviu. Oh não. Não, não. Não pode ser. – Alguém que eu conheça?
– Quem permitiu que invadisse minha mente, Nicholas Chester Griswold? – gritei. As paredes do sótão responderam com solavancos sonoros.
Eu mesmo. Porque?
Deixei que impropérios pulassem para fora da minha boca.
Existe sabão para isso, sabia nervosinho? Para limpar bocas sujas – posso imaginar a cara azeda que Nick está fazendo. Azeda tal qual a minha.
– NICK!
Desculpe-me senhor Aaro DeVerot. Só queria ajudar – sinto a mente de Nicholas se dissipando.
Eu deveria agradecer, mas não agradeci. Eu disse:
– Desculpe.
Percebi que estava olhando para os mesmos cadernos pela quinta vez.
Aquele livrinho amarelo não tem nada escrito; o mesmo nos azuis e no de capa de couro. Há uma caixa de canetas na gaveta da escrivaninha.
– Obrigado.
Tudo bem. Câmbio. Desligo.
Conexão encerrada.
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Primavera & Chocolate (livro um)
FantasiTudo o que Ace realmente quer é ser, novamente, mais um mortal. Entretanto, sendo impossível remover a imortalidade de seu corpo, ele vive na floresta, escondido dos humanos, observando, imitando e invejando-os, mas nunca sendo exatamente um deles...