Saí quando flocos de neve tomaram o ar. As árvores, cada pinheiro, parece me dizer o caminho que devo seguir.
Segui.
Admirei as casas na beira do rio e os piers cobertos de bruma. Nossa floresta está sendo tomada por mortais. Estamos ficando sem espaço. Um dia, talvez, seja preciso deixar International Falls para sempre – guardei esse pensamento em uma gaveta e etiquetei como Despedida Iminente.
Vi as casas, lá em baixo, afundando em neve.
Parei.
Quase todos os meus dias de inverno foram gastos assim: caminhando pela floresta, parando na cidade. Entretanto meus olhos encontraram os dela e meu corpo se deu conta que estava invadindo-a. Ela pareceu gostar.
Então meus dias de inverno passaram a ser vividos pensando nela. Apenas ela. Cada gaveta, cada arquivo, cada etiqueta em minha mente tinha seu nome, o nome dela. O modo como ela sorri estava etiquetado como Brie, seu cheiro inigualável estava etiquetando como Brie, os olhos amendoados nomeados como Brie, os dedos quentes estavam no topo do arquivo Brie, na gaveta Brie, pasta Brie, etiquetado como Brie, ela, a verdadeira Brie, esta etiquetada como Primavera Enlatada.
Primavera enlatada.
Primavera.
Avancei.
Não demorou muito para a pequena Tesse latir me olhando pela janela. Hoje, milagrosamente, há um carro em frente à casa de Gustav, mas até o carro fede a abandono.
Segui andando, rumo a meu velho caminho, escondendo-me atrás de pinheiros e casas.
O cheiro de primavera se acumulou ao longo do caminho.
Primavera enlatada.
Priemavera.
Ela.
Seus olhos estavam voltados para o chão. O telefone celular cantava entre seus dedos. A postura inaceitável para bailarinas, porém confortável a ela, deixando seus ombros levemente curvos. O script em uma mão, uma pequenina bolsa noutra. Galochas vermelhas afundando na neve e emitindo sons ocos. O cheiro de primavera e chocolate. Fragilidade. Tristeza. Brie.
Senti como se esse fosse novamente o primeiro dia, repassando em câmera lenta bem em frente aos meus olhos.
Eu poderia viver para sempre nessa cena, espremendo o botão do Repeat. Morreria nessa cena. Não haveria problema algum morrer nessa cena... Desde que a cena fosse apenas ela, só ela, que não chegasse à mim. Quando chega a mim, o vilão mata o mocinho, a mocinha é destruída antes de pensar em fugir da torre, o narrador não diz "e viveram felizes para sempre" e o "era uma vez" se perde no vazio impreenchivel. Só quando chega à mim.
Deveria passar uma borracha em mim, apagar-me por inteiro, não deixar nada, nada, nada.
No entanto, talvez, a história tomasse um outro curso; a princesa teria um novo salvador. Derek. Outro. Derek. Passar a borracha em mim pareceu demasiadamente errado, agora.
Brie passou à minha frente, sem me perceber à penumbra do pinheiro. E era assim que deveria ser. Eu deveria estar longe, sempre longe, apenas ouvindo e sentindo-a sem me intrometer na ordem natural da sua vida mortal.
Mas, coisas assim são inevitáveis. Elas simplesmente acontecem, e não é de maneira simples que elas acabam.
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Primavera & Chocolate (livro um)
FantasyTudo o que Ace realmente quer é ser, novamente, mais um mortal. Entretanto, sendo impossível remover a imortalidade de seu corpo, ele vive na floresta, escondido dos humanos, observando, imitando e invejando-os, mas nunca sendo exatamente um deles...