– Pensei que nunca mais o veria – engatou. O sorriso em seus lábios também é sombrio. Brie olhou para suas galochas flutuando à meio centímetro do chão.
– Quer que eu vá embora? – diminuí o espaço entre nós, parando um metro à sua frente. Foi como se eu não pudesse aguentar não ver seu rosto de perto quando ela me dissesse para sair de sua frente.
Os olhos de Brie subiram até minhas mãos nuas mergulhadas nos bolsos da frente da calça de moletom. Tentei não me importar.
– Imaginei que perguntaria isso – momentaneamente, um fantasma sorridente assombrou seus lábios. Mas ele logo sumiu. – E também imaginei que tinha ido embora para sempre. Que iria fugir de mim, como fez da última vez.
Analisei seus dedos cobertos por luvas grossas e o casaco acolchoado com pele sintética, sobrepondo o que parecia uma montanha de camisetas e blusas de mangas cumpridas e cores calmas. Devomos ser as únicas criaturas resistentes aos menos dezesseis graus que entorpecem International Falls.
– Fugir não está em meus planos – afirmei em sussurros.
Quando Brie ergueu os olhos, juntamente com todo o rosto, para mim, finalmente senti o calor de sua presença. Não consigo formular em palavras o que a expressão em sua face me dizia: Ela iria pular sobre mim outra vez? Eu iria conseguir contê-la novamente? E se eu quisesse aquilo? Se o humano sob as vestes de monstro desejasse seu toque, demasiadamente? Quis fugir da fome e do fogo reduzidos à esses dois olhos castanhos me encarando ininterruptamente.
– Mas... – experimentei o gosto das palavras em minha boca mais uma vez; salgadas. Prossegui: – se quiser que eu saia...
Me virei para voltar a floresta, mas, antes que a sola da bota de caminhada tocasse o chão, Brie se moveu no balanço, estudando meu corpo e me devolvendo palavras doces. No mínimo eram doces.
– Fique. Por favor.
Eu fiquei. Sinto que seria capaz de entrar num barril cheio de sol, se ela me olhasse daquele jeito ao pedir-me. Ficaria ali para sempre. No frio. No assassino verão.
Rápida e bruscamente, o silêncio instalou-se entre nós. Um silêncio dos mais irritantes, perigosos e moribundos.
Abri a boca para dizer algo, mas as cordas do balanço emitiram um muxuxu e eu não fazia mais idéia do que quer que iria dizer.
– Me desculpe – ela disse assim, em um sussurro triste. Dei dois passos sem sair do lugar, sentindo o solo sob meus pés. Sentei-me na neve fofa, sentindo o frio inundar-me. Primeiro no traseiro. Depois nas coxas e barriga. Então todo o corpo sorveu aquela insignificante dor gelada.
–... por aquilo. – continuou.
Concentrei-me em Brie, ignorando as protuberâncias do chão, abundantemente coberto pela neve dura, criar espinhos e picar minha pele.
Vendo que eu nada dissera, Brie continuou experimentando, uma a uma, as palavras que pronunciava.
– Não sei o que me deu. Eu... Eu... Você... Não sei o que me deu. – Suas mãos agora apertam as bases do pneu com força suficiente para transformá-lo num pedaço insignificante de borracha.
– Entendo... – Será que entende mesmo? Era essa a resposta que você tinha a dar? É essa sua resposta final? Entendo? Há quanto tempo você vem sorvendo esse sentimento, Ace? Você nunca o sentira antes. Ou já? – Me desculpe – falei para mim mesmo, mas Brie me ouviu.
– Por que? Não foi você quem tentou... – sua voz se perdeu num abismo fundo de mais para ser alcançada. Senti suas mãos se esticando, as pontas dos dedos tentando alcançar aquelas últimas palavras, mas era difícil. Tornou-se doloroso de mais vê-la se contrair para dentro de si mesma e pronunciar nada mais que tentativas de falas.
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Primavera & Chocolate (livro um)
FantasyTudo o que Ace realmente quer é ser, novamente, mais um mortal. Entretanto, sendo impossível remover a imortalidade de seu corpo, ele vive na floresta, escondido dos humanos, observando, imitando e invejando-os, mas nunca sendo exatamente um deles...