Esperei para vê-la por todo o dia, escondendo-me na estufa, atacando sangue e o que mais tivesse na geladeira, observando o Nick matar sua cede por caçar – correndo como um raio entre as árvores, assobiando para corridas e lobos. Nada afasta meus pensamentos da voz e rosto da senhorita Mountain.
Eu queria contemplar sua discussão mais uma vez. Saber o que há por trás de toda aquela loucura cativante.
E, finalmente, a noite caia sobre nós, sem crepúsculo nem lua.
– Onde vai? – Nicholas apareceu no meio da sala, de sopetão. Seus olhos escarlate me encaram lá do alto de seus 1,90 metros de pura palidez. As mãos na cintura, como uma mãe preocupada e os lábios brancos formando uma linha rígida.
– Você já sabe onde vou. Vou vagar por aí como um fantasma sanguinário – balancei as mãos no ar.
Seu rosto enraivecido me assustou um pouco, mas ele logo sorriu e saiu da frente, como um flash, voltando com um agasalho para eu pôr sobre meu pullover azul-céu-noturno que ganhei no natal.
– Leve isso, está ficando frio de mais, indícios de uma forte nevasca. Então volte cedo, mocinho – sorriu e eu o acompanhei em sua risadinha engraçada.
– Volto antes do jantar, pode deixar.
Observei Nick sentar-se para assistir, sua cabeça loira pendeu no topo da poltrona, relaxado.
Corri até o estacionamento da escola.
Esperando por duas horas escondido atrás de um carro que talvez pertencesse ao diretor, até ouvir passos.
Então, ela.
Luvas negras tomando suas mãos, script grudado ao peito, capuz cobrindo os cabelos cor de café – a única luz naquele dia de aparência tão tênue.
– O que achas, Sr. Bonsov? Ah, Marília, traga um chá, por favor. Chá Sr. Bonsov? – ela gesticulava para o ar e para as árvores, fazendo os movimentos graciosos de uma dama, iluminando tudo com o farol que é a lanterna de seu celular.
Ela parou, analisou a neve e estendeu a mão para pegar um pequeno floco. Seu movimento parecia triste e alegre ao mesmo tempo – características que não combinam muito bem juntas, mas nela parecem muito reais.
Me mantive atrás das casas, à mesma distância.
– Ah, eu não vou fazer isso! – gritou, dessa vez seu roteiro não foi parar no chão, mas ela o bateu contra uma árvore.
A garota parou, inclinou-se para um tronco e afundou sua cabeça nele, uma pitada de demência no meio da neve tão calma e séria.
Ela então agarrou o tronco e o abraçou, mãos entrelaçadas sobre o script. Um fantasma de um sorriso embargando meus lábios. Ela suspirou como se estivesse me vendo.
– Yeah, vamos continuar, Sra. Mountain! – largou a árvore. Abriu o roteiro e continuou imitando uma princesa um tanto desinibida, que parecia com seu contrário.
Me pergunto qual seria a razão de ela nunca ter aparecido antes. Será que eu estava longe de mais para vê-la ou não estava aqui? Ou eu estava tão absorto em meus próprios pensamentos que não notava o mundo ao meu redor? Não sei. Parei então, deixando ela narrar sua história e mergulhar em sua personagem inebriante.
– Chocolate – disse entre uma fala e outra, e tateou os bolsos a procura de algo, obviamente chocolate.
Quando encontrou o doce, ela o comeu com cuidado para não sujar suas luvas.
Louca, pensei sorrindo.
A acompanhei, observando e rindo de seu ensaio para as árvores, até que ela já não estava assim tão afastada da civilização.
– Hora de ser normal – alinhou-se, guardando o roteiro e acelerando seus passos. Andando e sumindo, desaparecendo entre as casas.
Suspirei sentido-me solitário, mais uma vez. Mas Tesse correu para meus pés, latindo e abanando o rabo.
– Tesse! – o garoto gritou, a cabeça para fora e o resto do corpo para trás da porta. Luz e o cheiro bom de um perfume circulam o ar à sua volta.
Levantei a pequena cachorrinha em meus braços e andei até onde a luz toca o chão.
– Ah, você está aí! Brie vai me matar se me ver brincando com você aqui fora – o garoto correu para pegar o animal.
Me afastei, esticando os braços para ele tocar apenas o cão.
– Obrigado por trazê-la, Ace – sorriu analisando o pelo pardo de Tesse. – Ah, eu sou o Gustav. Acho que não me apresentei adequa...damente.
– Hum, Gustav, o líder da alcatéia! – murmurei sorrindo, ele pareceu gostar de seu "codename".
– Oh. O líder da alcatéia – repetiu, tombando para trás com o peso de Tesse. – Ah, eu preciso ir. Brie vai fazer cookies de chocolate! Ela ama chocolate! Assim como eu – correu até a porta, soltando, enfim, a cadela. Voltou novamente, saltitante, olhando para a porta preocupado. – Ace, quer vir? Brie fará cookies suficientes para nós quatro. Tesse também come, escondido. Shhhh! – ele comprimiu o dedo indicador no centro dos lábios e sorriu mais uma vez.
Balancei a cabeça, negativamente.
– Não posso, preciso ir.
Ele baixou os olhos para o quadrado que a luz faz ao seu redor, como uma moldura luminosa.
– Tudo bem então – sua decepção me fez tremer. – Então nos vemos depois?
Confirmei acenando e o garoto pareceu gostar da idéia.
– Tchau Ace!
E eu sumi, veloz, um flash invisível entre as árvores, reaparecendo na porta de casa, relembrando um pouco do dia antes de abrir a porta e fingir que ele nunca aconteceu.
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Primavera & Chocolate (livro um)
FantastikTudo o que Ace realmente quer é ser, novamente, mais um mortal. Entretanto, sendo impossível remover a imortalidade de seu corpo, ele vive na floresta, escondido dos humanos, observando, imitando e invejando-os, mas nunca sendo exatamente um deles...