Capítulo 41

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O dia amanheceu ameno: não estava frio o suficiente para ser considerado inverno, mas também não fez sol para se tornar primavera.

Nicholas estava na cozinha, preparando panquecas e bebendo sangue em uma xícara de cerâmica, enquanto cantarolava algo como: il muro del suono, del suono, del suono.

É italiano — ele disse ao me ver observando-o do antepenúltimo degrau da escada e continuou cantarolando il muro del suono enquanto virava uma panqueca e punha mais massa na frigideira.

O observei em silêncio o quanto pude.

— Beba um pouco, Ace  — Nick ergueu a xícara.

Neguei com a cabeça, olhando para as janelas atrás da pia.

Meu estômago se revirou com a aparência dos galhos cada vez menos cobertos de neve.

A floresta está acordando.

A cada dia a primavera sussurra para as folhas voltarem, implora para o inverno abrir uma brecha, faz acordos com o sol... Está tão próximo.

— Pois é, Boneco de Neve, o inverno foi brusco mas a primavera está vindo rápido — Nicholas chacoalhou a frigideira e a panqueca rodopiou no ar. — Hoje quase fez sol, quase, quase, quase. Pude ver alguns raios. A neve está mais baixa, acho. Está aquecendo.

— Quando vamos embora? — sussurrei.

Nicholas ponderou sobre minha pergunta, o cenho franzido, os lábios apertados. Está pensando.

— Não continuaremos aqui por mais que sete dias. Mas, se eu sentir que International Falls despertou mais cedo, sinto muitíssimo, mas iremos imediatamente.

International Falls não é a mais bonita das cidades de Minessota,a mais fria, talvez, mas... Algo nela, a floresta, o modo como as pessoas seguem a vida nesse mar branco e intacto, até mesmo os jogos inventados por eles mesmos — como boliche usando um frango congelado como bola — é  cativante. Já passamos por muitas geleiras desde que encontrei Nicholas, mas International Falls, fria, com a população pequena o suficiente para você ter todos em sua conta do Facebook, é onde preferimos ficar quando o inverno nos abençoa.

Agora, para mim, International Falls é como aquelas cidadesinhas dentro de globos de neve. Há uma coisa a mais nesse globo, uma parte que também nunca sairá de sob o domo de vidro, uma pessoa. Brie. Terreno Pantanoso. O lamaçal onde eu pisei e fui sugado, onde agora vivo afundando de maneira intermitente, onde não sinto mais meus pés, não ouço mais eu, só ela. Só ela. Ela. Brie. E, primavera, por mais que me lembre tanto ela, vai me arrastar para longe da Brie e de International Falls. Seremos apenas Nicholas e eu, novamente, sozinhos, solitários, vampiros.

O Alaska não deve ser de todo ruim.

Nós já passamos a primavera enlatados numa cabana no meio de Randolph Forest, no Maine. Foi horrível. Eu saia apenas a noite, não haviam chances de me misturar com a população caso fosse pego de surpresa. Nicholas teve que alugar um pequeno avião para nos levar até Estocolmo. Vivemos numa casa entre dois grandes terrenos vazios. Nicholas comprou os terrenos e, juntos, plantamos árvores em ambos. Pusemos placas negras nas janelas e cobrimos cada diminuto buraco. Ainda haviam punhados de neve encardida, acumulados pelos cantos das casas e nos estacionamentos.

A vida se torna chata quando é primavera desse lado. Não gosto de ser uma criatura noturna. Não gosto de ter apenas a noite a meu favor. Não gosto de fugir do sol, do dia, do tempo onde as coisas realmente acontecem. Não gosto de ser o que sou agora.

Primavera & Chocolate (livro um)Onde histórias criam vida. Descubra agora