Por um momento o mundo era feito de Brie e Ace. O cheiro de primavera se misturando com o cheiro do inverno e de cabelos molhados parece crescer de nós e fragmentar o ar, se misturando à tudo e ainda assim não morrendo. Aliás, parece que o cheiro de Brie e Ace se fortifica, cresce, aflora.
Seguro as palmas de Brie nas minhas mãos geladas. As costas coradas estão azuis, os nós de seus dedos estão brancos como a neve. Picos de calafrio correm o corpo dela. A sinto tremer, mas não ouso largá-la – a não ser que ela peça, ou que eu a sinta desfalecer; nunca a perderia por tão pouco.
Suas roupas negras cravam toda a atenção desse paraíso congelado. Busco seus olhos na neblina fria e densa que simplesmente ocupou-se, por si só, de tomar conta do espaço entre e ao redor de nós.
Ela está parada, olhando-me tão fixo.
O que será que ela vê? Será que ela vê um demônio ou um homem? Será que ela vê a cede ou o medo de beber? Será que ela consegue mesmo ver o que está à sua frente?
Eu a vejo como uma rosa perfumada que cresceu em meio ao caos silencioso do inverno, como as rosas do Nicholas. Abastecidas por sóis falsos, descobrindo o mundo de um jeito errado, na hora errada.
Seria tudo tão simples se eu pudesse abraçá-la e falar sobre meus sentimentos confusos, seria tudo tão mais fácil se eu conseguisse me permitir sentir esse momento por inteiro, seria, sim, sim seria fácil e simples e prático... Mas não possível.
Tudo agora é mais frio do que estava a um segundo atrás. A névoa pesa sobre meus ombros, são toneladas e toneladas. O mundo está sobre meu corpo como ao do próprio deus Atlas.
Não há mais espaço para Ace. Todo o cheiro vem de Brie, dos cabelos castanhos, dos olhos escuros, das mãos macias que estou afastando lentamente dos meus pobres dedos apáticos.
Ace não tem cheiro de nada. Ace é uma bola insossa, incolor, dolor, perigosa.
A mão de Brie Mountain voa no espaço, e, mesmo estando à centímetros de mim, vejo milhas e mais milhas distanciando-nos. Quase não consigo ver seus olhos brilhantes, daqui eles pareces estrelas, piscando num céu sem lua. Ela seria a própria lua.
A realidade, amarga e dura, deixa um gosto ruim em minha boca, o gosto metálico de um sangue que eu desejei e não provei. O gosto insípido de saudades e amores estilhaçados.
Estou tão longe.
Por que tenho que dificultar tudo? Por que tive que me tornar... isso?
Daria tudo para abraçá-la, tudo para tê-la... Ela está tão distante agora, mesmo estando bem aqui.
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Primavera & Chocolate (livro um)
FantasyTudo o que Ace realmente quer é ser, novamente, mais um mortal. Entretanto, sendo impossível remover a imortalidade de seu corpo, ele vive na floresta, escondido dos humanos, observando, imitando e invejando-os, mas nunca sendo exatamente um deles...