Conflitos

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" Bateu o Amor a porta da Loucura:

- Deixa-me entrar, pediu, sou teu irmão,

Só tu me limparás da lama escura,

A que me conduziu minha paixão. "

No domingo, após a capoeira, me aproximei de Drew. Ele era um colega antigo, que fazia parte da roda, e com o qual ficava de vez em quando.

- Drew, você vai fazer alguma coisa interessante hoje?

- Ah eu preciso ver na agenda! Sabe como é, as mulheres tomam todo meu tempo livre... – fez um olhar sedutor.

- Ah é, eu sei. Então veja aí porque sabe que os homens também não me deixam em paz e somente hoje surgiram algumas horas livres pra mim. – disse em tom de brincadeira.

- Aí você pensou no seu amigo velho de guerra? É muita consideração da sua parte! – beijou minha mão

- E então?

- Sou todinho seu! – abriu os braços sorrindo.

Drew morava sozinho no morro Dona Marta, em Botafogo, e sempre que ficávamos juntos íamos para o barraco dele. Dessa vez não foi diferente e passamos o resto do dia fazendo sexo como dois desesperados. Saí de lá às 22:30h. Eu fui para lá querendo esquecer. Eu queria me convencer sobre a minha sexualidade, provando a mim mesma que era heterossexual e que aquela coisa toda com Camila não passava de uma bobagem sem importância. Eu queria mostrar para mim que sentia prazer com homens e era capaz de dar prazer a eles. Eu queria apagar aquele beijo e aquelas sensações da minha memória. No entanto, gozei com o corpo e senti um imenso vazio ao final de tudo, uma louca vontade de sair correndo e nunca mais olhar para Drew. Minhas dúvidas e inquietações pareceram aumentar. " Com quem posso conversar? O que eu faço? Como vou continuar a trabalhar pra Camila desse jeito?"

Subi o morro confuso, tensa e me sentindo extremamente só. Camz me inspirava carinho, cumplicidade e amor, sentimentos com os quais eu não estava acostumada. Eu sempre fui impetuosa, buscava o prazer em tudo e achava que bastava. Nunca me deixei envolver, nunca me entreguei, mas Camz parecia romper todas as minhas barreiras e sem fazer o menor esforço. "Por que digo amor?? Eu não a amo! Ela é apenas uma garota que está me atraindo e é só. Mas por que ela está me atraindo se eu nunca reparei em mulher alguma?"Rolei na cama por horas. Pensei, chorei em segredo e adormeci já de madrugada.

*******************

Estava com as Feiticeiras em um trailer pela manhã. Minha cabeça viajava longe e não ouvia o que diziam.

- Que foi Laur? Está tão longe... – disse Dinah.

"Como introduzo o assunto sem me revelar?"

- Aconteceu uma coisa que me deixou pensativa. Encontrei uma amiga dos tempos do segundo grau e batemos um longo papo.

- E??? – perguntou Vero.

- Ela me disse que conheceu uma garota no trabalho, se interessou por ela e, depois de muita luta com os próprios sentimentos, resolveu deixar rolar...

- Que horror! – Ally fez cara de nojo.

- E ela já era sapatão desde o segundo grau?

- Não Dinah, ela nunca foi sapatão. Ela disse que aconteceu agora, inesperadamente.

- Eu não acredito! Isso é doença e a pessoa já nasce com essa aberração. É que por alguma razão ela só se manifestou agora. – Ally afirmou durante – Afaste-se dela Laur!

- Ally, se ninguém te disse homossexualismo não pega. – Vero comentou.

- Eu não sabia que abominava tanto essas coisas. – comentei.

- Tenho nojo dessa gente lésbica, gay bissexual... Não gostaria de estar na pele deles quando forem submetidos ao julgamento de Deus.

- Ai Allyson, quando você começa com esses discursos de beata fica um saco! – disse Dinah.

- E Deus vai julgá-los pelo que? – perguntei

- Pelo que??? Lauren por favor! Homem e mulher têm de ficar juntos. Deus abomina estas aberrações que desobedecem aos princípios estabelecidos por Ele. Duas mulheres juntas? Isso é sem vergonhice! Se eu fosse você não dirigiria palavra a essa tal.

- Olha Ally, eu nunca me revelei, mas acho que agora é hora. – Vero se reclinou para perto dela. – Morro de tesão em você e minha "aberração" já não se aguenta quieta. Vamos prum canto escuro, hein?

Essa brincadeira quebrou um pouco do clima tenso que se iniciou com as palavras de Ally. Ally, aliás, era conhecida entre nós como "A Santa". Ela era católica, ativamente participante em sua igreja, e se envolvia em muitos trabalhos sociais. Caridosa e delicada era uma amiga fiel, mas muitas vezes dura em suas opiniões sobre as coisas da vida. Morava com os pais em Bonsucesso, onde ficava a oficina mecânica da família, não tinha namorado e era a mais "calma" do grupo nesse sentido. Era baixa, magra, branca, cabelos lisos, castanhos e escorridos até o ombro, apesar de termos todas as mesmas idades ela parecia a mais nova, por causa do ar angelical. Sonhava encontrar o homem de seus sonhos.

- E vocês duas? Também pensam assim? – perguntei

- Eu não tenho nada contra ou a favor. Mas não gostaria de ter uma amiga dessas. – disse Dinah.

- E eu conversaria com ela a respeito. Se me convencesse eu até experimentaria pra ver se é bom colar um velcro de vez em quando. Sexo entre mulheres deve exigir mais criatividade que é o que esses homens menos têm. – Vero respondeu.

- Você sempre leva tudo na sacanagem! – reclamou Ally.

- Me avisa então o dia em que você resolver ter essas experiências alternativas pra eu deixar de andar contigo tá?

- Êh Dinah relaxa, porque depois que eu comer a Ally você vai ser a próxima... – deu um tapa na coxa de Dinah – Coxão, hein?

- Deus me livre! – responderam Dinah e Ally ao mesmo tempo. Rimos.

- E eu Vero? Quer dizer que não faço mesmo o seu tipo? – perguntei

- Ah não! Eu teria de disputar espaço com os homens da tua vida e daí tô fora. Cê sabe que eu não quero ter trabalho, não sabe?

A conversa continuou em clima de brincadeira e percebi que não poderia me abrir com elas. Pedi licença e me despedi. Era hora de aula. Caminhei até o bloco D me sentindo solitária, mais do que sempre me senti.

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Estava em casa estudando. Era quinta à noite. Minha avó bordava na sala e estávamos em silêncio.

- Vó, a senhora não vai acreditar. Encontrei uma colega do segundo grau e ela me disse que se apaixonou e está morando com uma garota.

- Falta de surra!

- Hã??

Parou o bordado.

- Ela não tem mãe? Não tem pai? Eles tinham que ter dado uma boa surra nela pra que entrasse nos eixos. Se fosse minha filha, ela além de apanhar, não colocaria mais os pés nessa casa se não acabasse com a palhaçada. – retomou o bordado

- Não é palhaçada vó. A pessoa não escolhe por quem se apaixona.

- Só quero que você nunca traga essa garota aqui. – disse sem olhar para mim.

O assunto morreu ali. Voltei a estudar e senti uma grande tristeza.

My only love.Onde histórias criam vida. Descubra agora