Tiroteio

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Vó Dorte ficou excitada com o convite e ao mesmo tempo com medo de encarar um vôo transatlântico. Eu mesma falei com ela também, e disse que perguntasse ao médico o que ele achava. Se o parecer fosse favorável que ela viesse e não pensasse em data para voltar.

Após uns dias ela nos telefonou e disse que estava disposta a vir. Disse que iria comprar a passagem para o dia 20 de junho, e com isso chegaria aqui no dia 21, que era uma sexta-feira, pela manhã. Camz disse que faltaria a faculdade nesse dia e iria buscá-la no aeroporto.

Eu não estava fazendo plantões então teria como acompanhá-las no final de semana.

As coisas no trabalho estavam andando em bom ritmo. Estávamos trabalhando na favela Nova Holanda, perto da Ilha do Fundão, e eu ia para lá pela manhã de carro com Camz. Aí ela seguia para a faculdade e eu descia no ponto de ônibus em frente a Vila Pinheiro e caminhava até o local. Minha equipe era composta por Alcides, Rodrigo e Raimundinho.

Éramos um time bem mais unido que o anterior, pois Bárbara e Anderson às vezes eram meio fresquinhos. De vez em quando tínhamos uns probleminhas na favela, mas nada que não pudesse ser debelado. Quem mais andava nos canteiros éramos Raimundinho e eu.

No dia em que vó Dorte chegou, Camz veio no carro comigo como sempre, só que seguiu para o Galeão. Eu fui até o canteiro e os trabalhos estavam indo normalmente, até de repente ouvi um burburinho e gente gritando. Percebi que alguma coisa havia acontecido e o tiro comia por todos os lados. Chamei os pedreiros que estavam sobre as lajes e eles pularam para o chão apavorados. Os tiros pareciam aumentar em quantidade e poder de fogo e explosões se faziam ouvir em pontos diversos. Alguns moradores corriam desnorteados e outros pareciam nem ligar.

Uma menininha de uns cinco anos chorava sozinha abraçada a uma boneca e sem pensar eu a peguei no colo e continuei correndo. Um peão pulou em uma vala e fez sinal para nós, que buscávamos um abrigo em vão. O desespero tomava conta de mim e cheguei até o valão quase sem respirar. Entreguei a menina nas mãos de um que já estava lá embaixo e pulei em seguida. Ficamos todos abaixados com os rostos quase cravados na terra, enquanto a menina ainda chorava copiosamente.

- Não tenha medo não, pequena. A gente toma conta de você.

Puxei-a para perto de mim e protegi-a com meu corpo. Mentalmente rezava pedindo a Deus que nos salvasse daquela violência. Uma hora depois, ou um pouco mais que isso a confusão parou. Saímos da vala e nossa aparência era péssima. Sujos de terra e fedendo a esgoto.

- Qual é seu nome, meu bem? – abaixei e perguntei a criança.

- Letícia. – disse tristinha

- Onde você mora, meu amor?

- Na casa 2 perto da árvore.

"Ai, isso não ajuda muito! As casas aqui nem têm número direito!"

- Você sabe onde fica?

- Sei. – esfregou os olhinhos com as mãos.

- Então me dá sua mão que eu te levo lá.

- Dona Lauren, vamo embora! Os homi disseram que hoje tem mais trabalho aqui não. – seu Vicente me disse.

- Eu já tô indo seu Vicente, mas não posso deixar essa criança solta aqui. – continuei andando.

Entramos em uma "rua" e as pessoas ficaram me encarando espantadas. Mais ao longe, uma mulher estava parada com as mãos nas cadeiras. Era uma mulata magra, jovem, vestindo um short curtíssimo e um top que deixava pouco dos seios protegidos. Seus cabelos eram pintados de um louro escandaloso.

My only love.Onde histórias criam vida. Descubra agora