62

410 29 10
                                    

"Hey" -saudou-  "Já acordada?" fui interrompida dos meus pensamentos

"Sabes a que horas abrem os cemitérios?" ignorei o que disse

"Por volta das oito e meia, nove. Acho." franziu a testa

Não lhe disse mais nada. Simplesmente me levantei e arranjei-me o mais rápida e simplesmente possível. Preferencialmente de preto. Despedi-me de Harry beijamdo a sua testa e acenado levemente. Ele nem disse nada e ficou ali, intacto. Nem tomei o pequeno almoço nem nada e fui direita para o carro de Harry. Pousei a minha mala no banco do lado e conduzi até uma florista próxima. Entrei.

"Bom dia."

Sorri em resposta. Posso dizer que não é de todo um bom dia para mim, mas acabei por aceitar a sua boa disposição. Procurei um ramo de margaridas, bastante florido até e comprei-o por um preço bastante razoável. Despedi-me da senhora que estava tão feliz como uma criança pode estar depois de lhe darem um brinquedo tão desejado. Suponho que tenha tido essa reação por ser a única na loja. Provavelmente a única em muito tempo, pois a loja estava bastante deixada ao abandono, estando apenas as flores em bom estado.

Saí pela porta de madeira e observei uma placa em madeira, pendurada mesmo por cima da porta que tinha as iniciais "J&G". Passou pela cabeça uma data de coisas quanto a imaginar uma história suficientemente lógica para o nome da loja de flores ser um "J" e um "F". Fiquei de tal forma curiosa que pensei mesmo em voltar para perguntar à velha senhora a provável aventura que tinha tido ao longo destes anos, e em como este lugar estava de tal modo em ruína.

Liguei o motor do Range Rover e conduzi, na minha ideia, a uma velocidade maior à qual era pedido. Tenho por hábito respeitar todos os sinais, os semáforos, e deixo sempre passar os peões. Porque afinal, uma passagem de peões foi feita par isso mesmo - deixar passar os peões- o que muita gente não faz.

Agora que penso, se não tivessem criado essas linhas brancas a uma dada localização da estrada, mais precisamente junto de edifícios em que seja necessário, quase obrigado a ter-se de passar para o lado oposto, como é que faríamos? Hoje em dia não existem pessoas bondosas que nos deixem passar na passadeira. Ninguém para. Está tudo interessado no trabalho,  chegar a casa descansado e ver a mulher e os filhos.. Mas e as pessoas que estão à espera? Não pensam nelas não é? Não pensam que também elas têm filhos, animais e tudo mais para cuidar. E que estão à espera.

Então porque não perder uns segundos do seu tempo e deixar a porra da velha de noventa anos passar a porra das linhas brancas? Não custa nada! Simplesmente um pouco de paciência. Além disso é preciso que a velha atravesse em alguns segundos, como gente normal. Mas é idosa. Diriam uns. Enfim. Acho que podia escrever a porra de um livro a contar todas as injustiças deste mundo, mas isso iria custar-me tempo, dinheiro e uma data de coisas. De forma que vou esquecer esta ideia brilhante mas extravagante e seguir pelo meu caminho até ao cemitério. Um caminho silencioso, como quase todos.

Não costumo ouvir música no carro, não. Gosto do silêncio enervante mas calmo. Acalma-me. Conduzo ao som do motor do carro, que se faz bastante ouvir. Isso chega. Música é com uns bons fones e uma boa paisagem para me fazer pensar na vida, não é sentada com um sinto à volta, que me sinto ofegante e parecendo uma cadela, com gente de todos os lados e sentada da mesma maneira que eu. Depois fazem-se ouvir as buzinas dos mais impacientes. O que me enerva para o caraças.

Tranquei o carro e segui pelo grande portão que outrora vira à umas semanas atrás. Engoli seco. As lágrimas já teimavam em correr mas eu contive-me, mordendo o lábio inferior. Passei pelo porteiro que dormia tranquilamente. Devia ter uma vida difícil e não tinha muita paciência para aquilo. Eu também não teria. Dormir com os mortos. Arrepiei-me.

Aqui fica a memória de
.Jack Waters.
1978-2016

Por fim encontrei a campa dele. Era moderna, bonita também. Observei bem a sua fotografia tentando relembrar-me dos seus grandes olhos azuis e do seu alourado que era o cabelo. Sorri. Com quase quarenta anos faleceu. Como foi isto acontecer? Eu podia ter evitado isto. Podia. Sinto-me tão culpada. Se tivesse ficado mais uns dias, dois ou três, provavelmente teria do revisto. Teria observado ao longe o seu barco e ele a acenar-me, sorrindo pelo orgulho da sua descoberta. Ficaria em volta da cozinha preparando o seu prato preferido e ficaríamos à luz do luar, a conversar a noite toda e a comparar as possíveis espécies existentes no mar. Consigo imaginar isso tudo. Exatamente assim. Por que ele é mesmo assim, aventureiro.  Foi. Uma lágrima caiu por fim.

P.S Vou passar a dedicar capítulos ás minhas queridas leitoras e ás pessoas mais próximas. Começando contigo miúda ;) _0Hazza0_

Far Way ;; h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora