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Acordei no dia seguinte com uma tremenda dor de cabeça. Abri milagrosamente os olhos pensando, talvez, que tudo aquilo tivera sido um sonho. Mas era mais que real e demasiado mau para ser verdade. O tempo mantinha-se triste assim como eu. A chuva persistia num duro inverno que mal acabara de começar. Estava-mos já a quinze de dezembro, muito próximo do Natal, as pessoas na rua pareciam mais apressadas do que nunca nesta época, o que não era de espantar. As suas expressões faciais eram maior parte do tempo de felicidade, o que era bom, mas não para mim que todos os anos celebrava o nascimento do nosso menino com uma alegria tamanha, que tirava o meu pai fora do sério, embora desta vez queira tudo menos celebrar o que quer que seja. 

Eram oito e meia e já havia pessoas a chorarem de um lado para o outro desalmadamente, tentando encontrar o médico respetivo para saber noticias. Desmond encontrava-se ainda deitado, em concha, nuns bancos à frente de onde eu estava. Levantei-me e dirigi-me para ele, pensando duas vezes antes de o acordar.

"Bom dia." sacudi-o devagar

"Doutor? Ham, o Harry acordou?" dei um salto

"Tenha calma Desmond, sou só eu a Sophia."

"Primeiro trate-me por Des." -levantou-se - "Segundo, como está o meu rapaz?"

"Não vi ainda o médico hoje, se souber de algo dir-lhe-ei. Quer dizer, quer vir comigo vê-lo ou é causará muito transtorno Desmond?"

"Só Des. Com todo o gosto."

"Só Sophia."

"Só Sophia será." rimo-nos.

Atravessámos o corredor e seguimos até à porta do quarto, onde Gemma conversava com a enfermeira e Anne dormia na pequena poltrona do lado da janela. Bati na porta com pouca força mas ninguém ouvira. Voltei a bater, ou antes, a esmurrar a porta. A falsa loira abriu-ma com um pequeno sorriso notório nos lábios e quase me obrigou a abraçá-la. Eu sabia o sofrimento que ela passava, talvez não da mesma forma uma vez que sempre fora filha única, mas sofria por ser, ou ter sido namorada dele.

Aproximei-me com medo da cama e fiquei a uns bons dois metros de distância dele. A sua mãe acordou minutos depois e, curiosamente, abraçou-se a Des. Enquanto Gemma mirava o pequeno momento de reaproximação familiar dos pais, eu mirava Harry com pena. Embora nenhum doente, nenhum homem em coma  nem nenhuma pessoa com cancro queiram que alguém, no seu perfeito estado de saúde, tenha pena deles. É impossível não termos pena deles. A pena é algo trágico de se sentir, porque sabemos que a pessoa à qual temos esse tipo de sentimento não quer que à sua volta o vejam como um coitado, um inútil, nós em geral, os "saudáveis" temos tendência a pronunciar-nos perante ela dessa forma. O que tanto é triste para eles como para nós. E Ó por favor, eu quero tudo menos ter pena do meu namorado, porque eu sei e rezo para que ele não morra, e embora não acredite nos milagres eu acredito que irá haver a porra de um milagre nesta sala, e que Deus o fará sair da merda do coma. Porque sim, tecnicamente ele ainda é meu namorado uma vez que nem terminei eu com ele, nem ele comigo.

*

"Harry acorda."

"Meu amor eu preciso de ti por favor."  

Sussurrei na esperança de ouvir ou ver algum sinal que me provasse que ele ali estava, porque eu sentia-me mais só que nunca. Ganhei coragem e primeiro sentei-me ao seu lado, agarrando pela primeira vez a sua mão gélida que há muito não tocava. Por fim deitei-me virada para ele. Tirei cautelosamente um fio de cabelo do seu rosto e passei-lhe a mão pelo rosto pálido. Um choro compulsivo ecoou pela enorme divisão. 

Pouco depois apaguei todas as luzes que nos iluminavam, deixando-nos somente com a fraca luz do candeeiro do lado de fora na rua, coberto de neve que caía aos poucos. Enrolei-me nos lençóis e agarrei-me a ele com força. O corpo permanecia imóvel, sentindo apenas os seus batimentos cardíacos contra o meu pescoço de forma irregular e muito devagar.



CAROLINE.


Far Way ;; h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora