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Costuma dizer-se que o tempo cura tudo, mas acho que isso não se aplica na minha situação. Passado um ano e meio eu continuo sem aceitar que Harry partiu. É algo que nenhuma mulher deveria vivenciar e passar por isso, tal como perder um filho. São duas coisas que mentalmente não estamos preparadas. E eu estou decididamente deprimida a tempo inteiro. Já nada parece alegrar-me, nem mesmo os meus netos que me vêm visitar quase diariamente. Almoçamos todos juntos e brinca-mos a tarde toda uma vez que os pais trabalham e precisam de alguém que tome conta deles. Eu e Mary Jane, que me tem dado um enorme apoio, tomamos então conta dos seis reguilas. Sinto que de alguma forma eles me fazem lembrar de coisas positivas e de bons momentos que passámos juntos quando Harry ainda era vivo, como as famosas férias a Cuba que foram um ninho de surpresas desagradáveis porque nada parecia correr bem, mas no fim acabou por ser divertido.

Inicialmente costumava ir visitá-lo uma vez por dia, o que se tornava uma tortura porque eu não aguentava mais estar de frente para uma campa a falar com um morto que não me ouvia, ainda que eu acreditasse que bem lá no fundo da terra, mesmo sendo comido por todos aqueles bichos, ele estaria a ouvir-me e a sorrir ás minhas palavras. Eu sentia tanto a sua falta. Não havia maneira de explicar o quão doloroso era acordar de manhã e não ver o amor da minha vida ao meu lado. Os primeiros meses foram terríveis. Para tomar as refeições à mesa, para ir à piscina, para ir às compras e para simplesmente ver televisão. Uma solidão enorme naquela casa era visível por qualquer um. Já não parecia a mesma, já nada estava igual, já não havia aquela alegria, aquela luminosidade que entrava pelas enormes janelas que agora passavam maior parte do tempo fechadas. Os meus filhos ainda me convidaram várias vezes para me mudar para casa deles, para passar mais tempo com a família, mas de todas elas recusei porque primeiro não queria invadir a privacidade dos meus filhos e não queria de modo algum que se ocupassem de mim ou que tivesse de depender deles. Queria acabar os meus dias naquela casa, levasse os anos que levasse. Havia memórias a mais para deitar tudo a perder e pôr a casa à venda, ainda que valesse uma fortuna, eu não a queria simplesmente deixar a completos desconhecidos que jamais imaginariam o que ali acontecera.

Pois naquela manhã de sexta feira, levei o meu velho carro que estava perdido na garagem e conduzi até ao cemitério no centro da cidade. Estacionei mesmo à frente do enorme portão de um verde enferrujado e antes de entrar, dirigi-me à pequena florista um pouco mais à frente. Entrei e procurei por um ramo de margaridas, algo simples. Fui até ao balcão para pagar quando tirei da minha carteira e dei o dinheiro ao homem que me olhava com um sorriso simpático. Sorri-lhe fraco. Após este preparar o buquê deu-mo para a mão e nesse mesmo momento uma criança com os seus oito anos veio a correr agarrar-se ao seu pai. Este pegou-a ao colo e ela, com os seus olhos bem abertos, azuis claros, levantou a mão e saudou-me com um "adeus". Reconheci-a como sendo a neta de Juliet, a proprietária da loja que já devia ter falecido. Aquela que me contara a história do seu marido e da sua loja. Despedi-me dos mesmos com um pequeno sorriso e continuei o meu caminho até ao interior do cemitério. Estava mais um dia nublado, típico. Antes de me dirigir à campa de Harry passei pela do meu pai para lhe dizer um "Olá." Senti-me mal por não lhe por alguma coisa à muito tempo, por isso agarrei no ramo de margaridas e parti o belíssimo trabalho que o homem tivera feito, pondo metade do ramo de flores em cima do mármore preto.

"Acho que terias adorado conhecer o teu genro."

Pois a verdade é que apesar de ter tido uma vida maravilhosa ao lado de uma pessoa que amo realmente, não tive a oportunidade de ter uns pais que estivessem lá quando eu precisasse. E se pudesse voltar atrás faria tudo de maneira diferente, penso eu. Acabei por chegar à frente da campa de Harry, que finalmente tinha uma campa e não um bocado de terra batida. Escolhi juntamente com os meus filhos uma cor discreta, clara. A pequena fotografia colocada dentro de uma moldura oval tinha a figura jovem e bonita de Harry, com os seus vinte e poucos anos, um sorriso rasgado na cara e traços de cada lado das maças do rosto. As suas adoráveis covinhas. Com a ajuda da minha bengala sentei-me de pernas à chinês junto dele.

Far Way ;; h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora