Na segunda feira pela manhã acordei bem cedo, era dia de entregar os exames ao médico. Após tomar banho e me aprontar desci para o café da manhã, mas mal consegui comer, estava ansiosa e aflita.
Recolhemos todos os resultados e fomos à clínica. Logo depois de analisar folha por folha o doutor respirou fundo, tirou os óculos e me olhou diretamente, senti meu corpo gelar por inteiro, pois seus olhos não me esconderam que naquele momento que não havia coisas boas para dizer à mim e meus pais.
Dr. Sebastian: o que temos aqui não é bom, os exames mostraram que o quadro evoluiu mesmo com tudo que fizemos, está se espalhando por todo o intestino, está atingindo os ossos também, e surgiu um novo tumor no pulmão. Além de você está com uma anemia altíssima e desnutrição, o que torna tudo ainda mais delicado
Lorenzo: ôh meu Deus_passou a mão pela cabeça.
Marcele: mas, e o tratamento? a quimioterapia, as medicações, a radioterapia, nada disso funcionou?
Dr. Sebastian: quando temos o diagnóstico de um câncer muito avançado, diminui muito as nossas chances de ter um sucesso no tratamento, em casos como o da Isa, isso pode acontecer e infelizmente é comum
Lorenzo: mas e agora doutor, o que fazemos?
Dr. Sebastian: há duas alternativas, podemos tentar algo novo, ou podemos parar com a radioterapia e a quimioterapia e tratar somente a questão da dor_disse nos deixando em silêncio e pensativos. Preciso ser franco com vocês, mesmo que decidam continuar com o tratamento as chances de uma melhora são mínimas.
Fechei os olhos me sentindo derrotada tentando não desmoronar na frente de todos, mesmo que algumas lágrimas já tivessem molhado meu rosto. Respirei fundo e mesmo com os olhos lacrimejados me atentei ao resto da tensa conversa que estávamos tendo sobre minha situação.
Marcele: parar não é uma opção para nós_disse ao médico e direcionou o olhar para mim e meu pai, ela estava em lágrimas, vê-la chorando me magoava ainda mais
Lorenzo: vamos continuar, faça o que for preciso_ele pediu com as mãos juntas, como uma súplica
Dr. Sebastian: claro meu amigo. Mas e você, o que você acha Isa? quer continuar tentando uma melhora mesmo que as chances sejam mínimas?_me questionou, mas eu não tinha palavras, fiquei em silêncio cabisbaixa e só consenti. Então vamos lá!
Enquanto ele revelava os próximos passos, eu encarava a parede atrás dele desnorteada pela notícia, minha mente havia fechado as cortinas para o sol e só o que havia era um breu doloroso, triste e desesperador que me consumia cada minuto mais.
Fomos o caminho inteiro para casa em silêncio, pensativos, cada um em seu mundo interior encarando a dor que sentíamos em nosso íntimo. Quando chegamos logo me refugiei em meu quarto, me encostei na porta e me encolhi até o chão, agora finalmente eu podia colocar para fora tudo que senti ao ouvir aquelas palavras... ali sentada, sozinha e morrendo aos poucos.
Tantas coisas se passavam pela minha cabeça, quis gritar, espernear, mas por fim acabei por fazer pior, repudiei cada centímetro do meu corpo por abrigar aquela doença, me auto agredi numa sequência longa de tapas, murros e arranhei minha barriga como se tentasse arrancar o maldito câncer, mas era impossível, por uma fração de minutos eu me puni como se fosse eu mesma a culpada de tudo, mas a grande verdade, no final das contas, era que o câncer era o único vilão e eu a vítima indefesa.
Deitei com os braços estendidos, rosto banhado, embriagada por tamanha dor, encarando o teto. Era o pior dia de todos. Queria saber o que fazer, queria saber ao menos como lidar, queria ser forte suficiente para encarar isso de peito aberto, sem receios, mas não há como controlar isso ou não sentir medo quando algo que aparenta ser maior que você ameaça tirar sua vida a qualquer momento. Isto é o que posso fazer por mim agora, lamentar até que não haja mais lágrimas pra chorar e pedir a Deus que me conforte a alma.
[...]
Lorenzo: nós vamos dar um jeito nisso, querida, vamos dar um jeito_disse quebrando o silêncio durante o jantar e segurou minha mão demonstrando apoio.
Estávamos todos no mesmo barco, não adiantava pensar que o problema era algo somente meu, era um problema para todos nós, que afetava-nos na mesma medida.
Evitei as chamadas de Nicolas durante o dia inteiro, me escondi por detrás das mensagens de texto e o que disse apenas foi que estava tendo um dia ruim e não estava bem para falar. No entanto, o real motivo era que eu não tinha estruturas para lhe contar que o câncer havia dado mais um passo a frente. Decidi, portanto esperá-lo chegar para lhe dizer o que houve, além do mais que ele estava feliz com a realização do pai, eu não queria estragar isso.
Foi um péssimo dia, o clima na casa estava tão ruim quanto o de um pós velório. Antes de dormir chorei bastante, viver algo assim é tão doloroso, não importa o quão forte você tente ser, chega uma hora que essa força se vai fazendo você cair de joelhos, os pensamentos positivos somem e tudo o que resta é você de frente às suas dores e lamentações.
Eu ainda não estou pronta para deixar este mundo, não quero deixar os meus pais, não quero deixar Nicolas, eu não estou pronta para dizer adeus a ninguém, nem a nada. Eu quero deitar no gramado de casa ou na areia da praia a noite e olhar o céu estrelado, admirar lua. Quero sentir aquele vento frio que vem depois de uma chuva forte, quero comer pipoca no sofá junto aos meus pais assistindo um programa qualquer, quero sair com as minhas amigas como antes, quero andar com Nicolas de mãos dadas pelas ruas da cidade e sorrir de coisas bobas.
Quero acordar me sentindo bem, disposta, sem cansaço, sem dores, nem enjoos, não quero deitar na minha cama no final do dia me perguntando se tomei todos os remédios, não quero ter que me preocupar com o dia seguinte, não quero me sentir angustiada e triste sempre que pensar no futuro ou fazer um plano sem saber se vou conseguir realizá-lo a tempo. Tudo isso faz eu me sentir como alguém que já perdeu, não consigo mais me reconhecer quando olho no espelho, não parece eu, o câncer roubou a minha vida, minha saúde, minha paz e a forma como eu estou levando as coisas não é viver, na realidade eu tenho tentado sobreviver... e nunca foi tão difícil como está sendo agora.
Eu sinto muito em confessar que em alguns breves momentos chego a me questionar se tu, meu Senhor, ainda estás comigo, se não tem visto todo o meu sofrimento, porque eu continuo a arder em dores terríveis. Mas dura uma fração de minutos, pois me recordo das tuas palavras, teus feitos... Eu só preciso aprender a confiar em ti, mesmo sem entender, mesmo sem saber o que me espera no amanhã, mesmo com medo, mesmo sem ouvir a tua voz, apenas confiar. Quem sou eu para questionar as tuas vontades, Deus? Se isso é tudo o que tem escrito pra eu viver, tudo bem, cabe a mim somente aceitar ainda que o meu coração esteja em pedaços.
Eu sou grata por tudo. Eu tive pais maravilhosos, amigos verdadeiros, vivi um amor lindo e real com o cara mais incrível desse mundo_eu estava extremamente emocionada, parecia que alguém estava ali diante de mim ouvindo meu desabafo. Nunca me faltou nada, eu tive um pouco de tudo que faz a vida realmente valer apena. Eu conheci o teu amor, meu pai e, apesar de estar morrendo agora eu ganhei a vida eterna! Isso vale mais que qualquer coisa_encerrei enxugando as lágrimas, já sonolenta e logo adormeci.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quando Vem De Deus É Diferente [ Amor, Fé & Superação ]
RomansaIsabella Fercondine tinha tudo que uma jovem no último ano do ensino médio poderia desejar: uma vida perfeita de herdeira, cercada de luxo, amigas inseparáveis, e claro, era a típica garota que sonhava com um romance digno dos filmes. E então, ela c...