Capítulo 22 - O gancho necessário.

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Epílogo - Aquala e o Castelo da Província

Havia uma curiosa luz que refletia na mesa lustrada, embora chegasse opaca no forro da cadeira à frente da quina. A grande tela contrastava com o ambiente escuro, e o homem, em seu assento almofadado, perseguia com o olhar os dados que acompanhavam os toques de seus dedos no controle. Sua mão fria pressionava bem o artefato, enquanto o cotovelo debruçava no braço da cadeira.

O homem enxergava diversas estruturas moleculares através dos óculos quadrados. Em seguida, uma delas aumentou, descolou-se da tela e girou sobre o próprio eixo. Era tridimensional a ponto de esticar o braço e poder alcança-la com a mão, contudo, ela a atravessaria como fumaça se o fizesse. Ao lado da imagem da molécula, brotou a sigla ADN e depois o ponto de exclamação vermelho. Era uma mensagem.

Uma pequena miniatura de escaravelho brilhou na mesa, o que fez o homem, no mesmo instante, atentar-se para um chamado. A molécula retornou para a tela, a qual foi desligada, dando lugar a uma imensa janela para as edificações abaixo - ou talvez o prédio onde ele estava que era alto demais. A luz da tarde invadiu a sala e ele girou na cadeira, guardou o controle na última gaveta e pressionou o escaravelho brilhante com a palma da mão. A secretária abriu a porta dupla ao final.

- Sr. López, Abave Palani. - ela avisou.

- Mande-o entrar.

- Ele estava na linha, pediu para que o senhor o encontrasse na casa F. - ela falou num tom desentendido. - Disse que era urgente.

- Obrigado Elaine, já vou.

- Desmarco a reunião com os supervisores?

- Por favor. Retornarei apenas amanhã. Diga apenas que houve um imprevisto, as férias de alguns deles já me deram dores de cabeça o bastante.

- Sim, senhor. - ela saiu e fechou a porta.

Augusto López sentia dores profundas na cabeça, mas seus funcionários não eram os culpados. A própria consciência o feria porque ele sabia que não podia mais voltar atrás. Já estava envolvido demais. Não apenas o olhar penetrou no retrato de sua família na mesa, como também o toque. Na foto sorriam sua esposa, sua filha Luana e ele, o mesmo sorriso que não existia mais em seu rosto.

López desceu os treze andares da Manaque Laticínios e entrou no carro do motorista segurando apenas uma maleta preta. Pediu que o levasse até a casa F, local onde, aparentemente, seus funcionários já deveriam ter ciência. Por sorte, a cidade não estava engarrafada como de costume, mas o clima a tornava tenebrosa de maneira inédita. O tempo estava fechado e quanto mais o carro se aproximava da misteriosa casa F, mais densas nuvens negras tomavam o céu.

Quando já acompanhavam a formação de casas, uma ao lado da outra, puderam reparar na tempestade que acortinou a rua e molhou o carro instantaneamente. O motorista estacionou e Augusto, no banco de trás, fitou a placa lá fora. Ele pôs os óculos quadrados e leu, através da janela coberta por pingos de chuva, a palavra "vendida" colada em cima de onde, antes, havia "à venda". Logo abaixo, Duality Guilux. As lembranças de catorze anos atrás voltaram à tona na mesma hora, quando Robert Flintch entrou na sala da presidência pedindo apoio a Palani e entregando suas ações da empresa para o homem.

O motorista abriu a porta do carro e, segurando um guarda-chuva, acompanhou Augusto até a porta da casa. Mesmo assim, a ventania os molhou, o sobretudo negro ficou encharcado. O jardim da frente estava completamente descuidado, torto, sem vida e rasteiro, como se nunca houvesse um florescer. Cada vez que o homem passava por aquele bairro, tinha uma sensação mais esquisita que a outra, como se aquele local fosse deslocado de sua origem. Ele chegava a indagar se era realmente para estar ali, até o momento em que empurrou a porta entreaberta e mandou o motorista o esperar no carro.

Aquala e o Castelo da Província (vol. I)Onde histórias criam vida. Descubra agora