Bolo de Laranja e o romance - Parte 02

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Realmente o cheiro é delicioso. Levanto-me cedo e só como um pão com margarina, agora esse cheirinho de bolo de laranja está fazendo meu estomago roncar.

- Eu aceito, mas nem vou entrar, vou sujar onde você limpou.

Ele vira para buscar, fico desconfortável, maluco olhando aquela bunda. Até me questiono, como alguém tão miúdo e magrinho tem um rabo tão espetacular?

O café dele é melhor que o meu, melhor que o da padaria e melhor que o do batalhão, é apenas café, mas parece que tem algo mais, o bolo então, sem qualquer recheio, como a gente compra na padaria por cinco reais, mas só na aparência que dá para comparar. A massa é diferente, leve, não doce demais, a calda é azedinha e de quebra tenho aquela companhia que me olha curiosa.

- Gostou do meu bolinho? - Ele me pergunta.

Eu gostei do bolo, do café e daquele rapaz miudinho, muito delicado, perfeito, que sinto até medo de demonstrar.

- Muito bom. - Digo apenas, afinal não vou misturar prazer com trabalho, fica complicado depois para separar. Depois nem o conheço direito, nem o conheço, na verdade.

- Moço, fica difícil me dar uma mãozinha, é que meu braço dói bem aqui... No ombro onde levei o tiro. Quer ver?

Ele começa a abrir os botões da blusa e eu protesto, me sentindo levemente excitado.

- Não tem necessidade. - Falo de um jeito bruto e empurro em suas mãos o pratinho, passando por ele pisando com o coturno no chão ensaboado. - Já tomei tiro, fecha a camisa, garoto.

- Ah, desculpa, eu queria mostrar que ficou uma cicatriz redondinha. Sabe, moço, achei que ia morrer.

O olhar dele é triste, embora eu não seja um cara sensível que possa sentir isso em outras pessoas, com esse rapaz é diferente. Sinto com estranheza, que estou ligado nele e a cada pano que passo no chão para lhe ajudar, tento me desviar desses pensamentos intrusivos. Não quero me apegar a ninguém, para não ter que perder ninguém e por isso a solidão me dá segurança.

Quando termino, depois de meia hora, fico a sua porta já vou me despedindo quando ele oferece.

- Moço, posso fazer almoço para você?

Caramba, eu bem que queria dizer que não, isso me economizaria tempo e com certeza é melhor que comer as marmitas prontas de sempre. Afinal, se o bolo estava perfeito, imagina um arroz e feijão feito por aquelas pequenas mãos.

- Olha, eu até aceito hoje. Sabe cozinhar?

- Ai, moço, eu cozinho muito bem. - Diz ele sorrindo, com sua boca pequena e lábios volumosos que deve saber beijar muito bem. - Já sei até o que fazer, arroz, feijão e ovo frito, eu adoro.

- Bom. - Não quis mostrar empolgação, mas ele vai fazer o meu prato favorito. - Volto ao meio dia, fica esperto e janela fechada, garoto.

Termino de falar e saio a contragosto. Rindo do destino maluco que me pregou essa. Destino, destino, você sabe bem que não quero me apegar e me coloca no caminho um pequeno doce como esse que acabei de deixar para trás. Minha vontade é de voltar e lhe falar, melhor eu me acalmar.

No alojamento, não é lugar para um policial como eu, que deveria estar na rua, no morro, ou disfarçado em qualquer lugar. Mas sou pago para fazer o que me pedem, depois serão dois ou três meses de sossego, antes de voltar ao inferno, onde sou macho o bastante para suportar.

Depois de trocar a farda por roupa comum, faço vigia, próximo onde ficam alojados alguns policiais e a ronda no bairro em carro comum. Não esquecendo que Carlinho é meu foco, volto a cada meia hora para o pequeno escritoriozinho, onde posso observar sua porta, já ansioso pelo almoço que ele vai preparar.

Meio dia, estou até trêmulo de fome, pois não belisquei nada, durante a manhã. Do lado de fora, já sinto o cheiro de comida caseira e com os nós dos dedos dou pancadinhas na porta.

- Quem é? - Ouço a voz, meio rouca, que me faz imaginar o que tem do outro lado, menino ou menina? Me arrepio e respondo:

- Soldado Francisco.

- Como que eu vou saber que é você? - Ele me responde ainda trancado.

- Não me chamou para almoçar? Abre logo. - Eu falo impaciente e ele abre com os olhos assustados. - A tarde vou comprar um olho mágico para sua porta, certo?

- Tá... Entra. - Ele me convida, com a mesa pronta, suco de laranja, couve frita e banana a milanesa para acompanhar o arroz, feijão e ovo frito.

- Nossa. - Fico tarado pela comida, pois o cheiro é de salivar. - Você era cozinheiro?

- Ah, eu gosto de cozinhar, já fui ajudante de cozinha, mas o que sei fazer bem é doces. Fazia bombom de chocolate, tinha até lojinha para vender o que fabricava. Mas passei tudo para o nome da minha mãe. Um advogado lá no hospital me falou que dois irmão meus estão cuidando das lojinhas... Ah, se sirva, por favor, acho que ficou bom.

Estou zonzo na presença dele. Pequeno, bonito e cozinha bem. Ah, dona Itália, acho que vai ter um genro logo, logo.

Arroz, é tudo igual, errado, o dele é melhor. O Feijão, no ponto, a couve, a banana e o suco...O ovo frito com a gema não muito dura, nos leva as gargalhas juntos.

- Vai dizer. - Ele ri apontando para o meu prato. - Que você deixa a gema por último, só para misturar um pouquinho de arroz.

- Sempre fiz isso. - Respondo rindo. Eu disse que estávamos ligados e estar com ele é meio mágico que me perco e levo horas até me encontrar de novo.

- Ai moço, me trouxeram tanta laranja que só tenho isso de sobremesa. - Ele aponta para um saco de ráfia amarelo que deve ter uns dez quilos da fruta, depois levanta e me alcança duas.

De novo tenho a visão da perfeição que rebola ao caminhar.

- Seus namorados deviam ser todos gordos, acertei? - Pergunto e vejo sua expressão doce mudar.

- Moço, eu posso retirar a louça?

Ele estranhamente não responde. Será porque esse assunto lhe perturba?

Seja lá quem for que tenha sido seu no passado, bom ou mau com ele, já me sinto enciumado. Ajudo-o a recolher a louça e levar até a pia, arrumo a mesa com o trilho rendado e lhe agradeço.

- Bom, Carlinho eu vou indo, sua comida é deliciosa, obrigado, por enquanto. Volto a noite antes de me recolher para saber como você vai está. Combinado?

Ele me sorri, mas não com a mesma alegria de antes, devo ter tocado sem querer num assunto doloroso para ele.

- Ai moço, desculpa o meu jeito.

Eu sorrio e antes de sair respondo-lhe:

- Seu jeito, garoto, me agrada... Tenha uma boa tarde e se precisar me liga nesse número.

Ele retira com as pontinhas dos dedos o bilhetinho das minhas mãos com o número anotado e me olha nos olhos.

- Obrigado, por ser legal comigo, Francisco.

Seus olhos castanhos nos meus olhos castanhos se demoram. Ainda não sei o que é isso. Volto outra hora e explico melhor conforme eu mesmo entender.

Continua...

Bombonzinho e o PolicialOnde histórias criam vida. Descubra agora