Torta de maçã e o perdão - Parte 01

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Por Francisco...

Sempre ouço Carlinho falando de sua mãe biológica com carinho, mas estranho ela nunca ter nos visitado e nem ele parece muito a fim de ir à cidade dela para vê-la. Inclusive, ele passou cotas de suas duas lojinhas para o nome dela e esta nunca se interessou, então Cássio o irmão mais velho dele veio a nossa cidade para administrar o pequeno patrimônio que Carlinho não quis reaver quando sobreviveu ao tiro que tomou há uns quatro anos atrás.

Ele não quer falar sobre suas razões e eu deixei quieto. Achei estranho o dia em que o Cássio trouxe o carro que do Carlinho para cá e meu menino não quis usar, preferindo usar meu modelo popular para seus afazeres. Bom, concordamos de vender e deixar o dinheiro dele na poupança, mas ainda acho isso estranho. Será que meu pretinho me esconde algo?

Estamos na fila da adoção e nunca me imaginei cumprindo tanta obrigação, como a união estável, comprovar renda, endereço fixo, certidão de antecedentes criminais, passar por psicólogos, visita de assistente social e mais uma parafernália de coisas. Mas vale a pena pela Luíza. Assim como meu menino, eu me apaixonei por aquela baixinha. Uma pequena de 4 anos de idade que foi abandonada ainda no hospital ao nascer.

Finalmente, após esses anos todos, meu Carlinho está muito mais calmo e forte para enfrentar seus piores pesadelos e todo esse processo de adoção tem ocupado boa parte de seus pensamentos, fora as suas encomendas de doces e salgados que têm dado uma "folga" ao meu bolso, sendo uma renda considerável. Carlinho não se sente mal por ter feito a opção de trabalhar em casa e cuidar dos assuntos domésticos e comenta que sente-se muito feliz assim e que se não gostasse tinha arrumado um emprego.

Nosso conto de fadas é algo do qual me orgulho. Sou um cara realizado em todos os aspectos e acordo sorrindo quando vejo esse "pacotinho de amor" enroladinho na coberta com apenas uma de suas mãos de fora, segurando a minha.

Que dó de acordar esse miudinho pra fazer meu café. Ele é todo gostosinho que sempre me leva a compará-lo ao meu doce preferido: brigadeiro. Só de pensar naqueles docinhos feitos com leite condensado, cozidos lentamente na panela, ele mexendo com sua mão delicada, ficando de costas pra mim, que fico sentado a mesa conversando com ele enquanto vai adicionando o nescau... Que cheiro delicioso exala, quando começa a ficar com aquela cor de bombom. Cheiro de chocolate no ambiente e a presença do meu moreninho magrinho da bunda redonda tem sobre mim um efeito de um afrodisíaco.

— Ei meu molequinho. — Tenho apenas oito anos a mais que Carlinho, mas ele me parece um menino. Se espreguiça feito um gato e abrindo os olhos já me dá um sorriso.

— Bom dia, mor... — Ele diz tão manhoso que me desperta a "safadeza". Mas não dá pra fazer isso de manhã, é muito corrido. — Francisco, a minha vozinha ligou pra eu ontem. Esqueci de contar. Não tem "poblema" se ela vir me visitar com a mãe?

— Claro que não. Só vem as duas?

— Minha vó disse que vai dar um jeito de vir, nem que seja sozinha, mas a mãezinha não deu certeza.

— Você fala pouco da sua mãe. — Comento com ele. Então acontece algo inusitado: ele desvia os olhos dos meus. — Você disse que perdoou... tem alguma coisa que é meio estranha, quer me falar, vida? Hum?

— Ai, Chico, o seu café! Estou atrasado. — Carlinho pula da cama e corre pro banheiro, depois se veste e vai pra cozinha sem me dar resposta. Quando chego, ele não fala muito comigo e se apressa em fazer as coisas.

Desligo a sanduicheira que torrou meu pão além do ponto que gosto. Muito incomum.

— Senta, Carlinho! — Não peço com muita gentileza, pois não quero saber de segredos aqui em casa. Ainda mais se faz mal pra ele.

Ele senta e suas lágrimas escorrem livres pelo rosto, logo ele é tomado por soluços e preciso lhe fazer tomar um copo de água, dando-lhe um abraço apertado.

— Desculpa, pequeno. Mas isso te faz mal, não é?

— Sim. Mas a gente conversa de noite, quando você voltar.

— Certo. Toma café e seus remedinhos. À noite vamos sentar e resolver isso, certo? Seca o rosto e me dá um sorriso. Sabe que ele me dá sorte. Por seu sorriso que sobrevivo na minha profissão.

— Chico eu não estou fazendo coisa errada, eu juro.

— Eu acredito. Mas se sua mãe vem nos visitar, quero saber se está tudo em ordem, oras.

Enquanto me dirijo ao batalhão vou matutando. Não conheço a mãe dele, então nem posso falar nada. Mas descobri que ela "deu" ele para a "bandidona" quando ele tinha seis anos, quando ela já tinha mais uns quatro filhos. Depois que o "abandonou" achando que lhe fez um bem, casou com um evangélico e arrumou mais umas três crias e nunca deu muita bola pro filho dado por ela.

Sinto que isso gerou uma carência enorme no Carlinho, já que ele entende que ela tentou lhe beneficiar quando Rosa o adotou. Porque será que uma mulher humilde como ela, não aceitaria um apartamento bonito e duas lojas? Na certa por preconceito.

Tô achando que essa sogra faz jus à fama das sogras megeras. Tomara que eu esteja errado, porque meu doce menino não merece mais sofrimento nessa vida.

Meu dia a dia de policial é tenso. Você lidar com o ser humano já é difícil, imagina com o ser humano marginalizado. Preciso esquecer um pouco aquele problema lá de casa ou posso me distrair nessa função onde a cabeça tem que estar fria. Ultimamente tô subindo morro direto, rezando no pensamento pra não levar tiro outra vez. No rosto minha melhor cara séria disfarça meus pensamentos sobre problemas pessoais.

Espero que meu menino tenha um dia tranquilo.

*

Por Carlinho...

Depois dos meus remedinhos eu fico mais calmo e decido que vou contar mais isso pro Francisco. Eu acho que ele já tem seus próprios "poblemas" e por isso que nunca contei o quanto minha mãe tinha vergonha de mim. Ela virou "crente" depois que me deu pra tia Rosa e só vi ela quando eu tinha uns dezenove anos. Mas ela não ficou muito feliz quando viu como eu era. Disse que não tinha como me hospedar naquela vez, porque não tinha cama de sobra.

Meu padrasto não apertou minha mão, só ficou me olhando com uma cara feia e cochichou algo para minha mãezinha que me chamou de lado e disse que ele era pastor da igrejinha e ficaria feio se alguém me visse na casa dele.

Eu fiquei com muita raiva dele, mas por ela eu fui embora. Muitos anos depois eu estava com medo que eu pudesse morrer e pedi pro advogado e o contador ver aquelas questões de "passar" pro nome dela tudo que eu tinha.

O advogado conversou com ela, mas o meu padrasto se meteu e disse que não iam aceitar nada, porque aquilo vinha de dinheiro sujo de um cara homossexual. Ele decidiu que ela não devia aceitar nada. Aí eu tive a ideia de oferecer para o Cássio que era o mais humilde e ele aceitou. Na verdade só ele me aceitou sempre, pois todos os outros têm muito preconceito comigo. quando tudo passou, eu realmente não quis reaver tudo, pois tive a chance de viver e mantive uma cota de participação nos lucros de uma das lojinhas.

É engraçado que minha vozinha, mãe da minha mãe me aceita e está louca pra vir conhecer minha casa e meu marido e me prometeu que vai arrastar minha mãe junto. Tenho certeza que quando ela ver que me tornei um homem todo certinho vai mudar de opinião e ficar muito feliz. Depois quem sabe até meu padrasto muda um pouco, já a minha irmã está louquinha pra vir para a praia e me visitar.

De noite, meu marido amado e grandão chega e me dá beijo com gosto de chiclete e vai direto pro banho.

— Amor, quer ajuda? — Peço com um pouquinho de medo.

— Oh, mas claro, sempre.

Ele só tem a cara de brabo, porque por dentro doce feito melado de cana. A gente não tá no clima pra transar, mas pra se beijar sim. Ele me beija muito até que suspirar e ficar durinho. Não tem como não ficar. Chico morde gostoso meu pescoço, enquanto a virilha cabeluda dele esfrega nas minhas costas. Seus pentelhos fazem "cosquinha", sua barba arranha minha nuca e seus polegares circulam de levinho meus biquinho arrepiados, enquanto eu bato uma punhetinha pra me aliviar.

***

Bombonzinho e o PolicialOnde histórias criam vida. Descubra agora