Capítulo 17: A necessidade existencial.

1.2K 174 2
                                    



   Yulla suspirava aquele ar puro e seus pulmões doíam quando fazia isso. Cam a olhou com o canto de olho, ele devia admitir que estava ficando paranoico em relação à saúde de Yulla, mas não poderia evitar aquilo.

   Cada movimento que ela fazia, ele se virava para olhá-la, cada som que ela fazia para ele era um gemido de dor ou de morte (o que não deixava de ser de dor), aquilo o estava deixando enlouquecido de tal forma que até mesmo Yulla, fraca como estava, conseguia perceber os movimentos paranoicos dele e já estava começando a ficar incomodada com sua forma de agir.

   Naquele dia, apesar do ar parecer rarefeito e ardente para ela, até que ela se sentia melhor, ao menos conseguia montar no cavalo e guia-lo entre as arvores, coisa que antes nem isso ela conseguia fazer sozinha. Depois de muitos dias de sofrimento e poucos de alegria ela finalmente conseguia ver a beleza das coisas.

   O clima ali era bastante agradável, as árvores pareciam ter uma vida especial e diferente de qualquer outro ser vivo, os pássaros que voam por ali em seu agitar animado pareciam ser de outro mundo.

   Yulla sorriu, encantada com aquilo, mas logo seus pulmões arderam e coçaram e ela teve uma crise de tosse outra vez.

    A felicidade não dura para sempre... Ela revirando os olhos imersa em seu próprio pensamento. Ela se virou na direção onde Cam se encontrava e assim que a arvore saiu de seu campo de visão e ela localizou o rosto dele, ela se irritou. Ele olhava preocupado e ansioso como se esperasse que ela caísse do cavalo a qualquer momento.

   Ela olhou com cara feia para ele e cogitou em fazer um gesto obsceno para ele parar com aquilo, mas ela sorriu da ideia e dá reação que ele teria e decidiu que se irritar não teria fundamento naquele momento, ele estava preocupado, e só. Yulla decidiu que o melhor que ela tinha de fazer com aquela situação era apenas virar a cara e fingir que ele não existiam por longas horas intermináveis.

   O que ela não esperava era que Cam se aproximaria dela quando ela rejeitou seu olhar e virou a cara.

   – Como você está? – ouviu ele sussurrar olhando se os outros estavam ouvindo, mas os caminhantes estavam imersos em seus pensamentos e em seu encontro com a deusa.

   – Ainda não estou morrendo se é isso que você quer saber. – Yulla resmungou ainda sem olhá-lo nos olhos e afastou seu cavalo de uma pedra média. Esperou esperançosamente que ele não continuasse a conversa, pois não estava muito paciente para prolongar um bate papo.

   Isso até ouvir a voz dele de novo.

   – Na verdade... – ele cogitou em continuar ou não. E resolveu fazer justamente o que Yulla não queria. – todos nós, seres vivos, estamos morrendo, morrendo desde o dia que fomos concebidos no ventre da criação. No caso dos seres no humanos, no ventre de nossas...

   – Chega Cam! Eu entendi essa sua filosofia sobre a vida tanto quanto você entendeu sobre eu estar relativamente bem! – a histeria de Yulla chegou ao ponto dos homens olharam para eles dois, com curiosidade. Ela baixou a cabeça, estava se sentindo fraca de novo, não queria discutir com ninguém. Não queria discutir com Cam, mas era que ela estava cansada, irritadiça e queria que ele compreendesse isso através da sua expressão.

   E foi justamente o que ele fez se afastando dela com o seu cavalo.

   Eles não se falaram naquela noite como faziam antes de ela dormir.

   E mesmo não querendo admitir: ela sentiu bastante falta.

***

   Cam acordou Yulla antes do amanhecer. Ela resmungou uma resposta vaga, se virou pro outro lado e dormiu outra vez...

   Até ser sacudida mais uma vez por Cam.

   – Mas que droga Cam, deixa em dormir mais meia hora, ou uma hora. – ela resmungou baixinho enquanto se encolhia mais ainda.

   Dessa vez Yulla não foi sacudida, alguém com mãos bastante ásperas tampou sua boca e a puxou pelo braço. Foi nesse momento que ela abriu os olhos em pânico sem saber o que estava se passando, até ver o rosto contorcido de raiva de Sefiron. Ela não entendia o motivo de ele estar fazendo aquilo, mas sentia que não era nada bom. Ele apertou acima da sua clavícula fazendo pressão e logo a vista de Yulla se escureceu.

***

   Quando acordou, não conseguiu ver o acampamento dos caminhantes ao seu redor. O que a deixou mais preocupada ainda, seu coração deu um salto ao perceber que estava amarrada no tronco de uma arvore, em pé, com um pano cobrindo sua boca.

   Não conseguia sentir seus braços, e muito menos suas pernas dormentes. Ela olhou para frente e topou com a imagem de Sefiron. Sua face terrível ainda não havia mudado. Ele se aproximou de Yulla e ela se remexeu no tronco áspero e cheio de "cicatrizes" tentando se afastar dele o máximo que conseguia, não podia crer que ele havia feito aquilo com ela. Não conseguia entender. Será se ele a odiava tanto assim?

   – Por que? – essa foi a pergunta que ele fez ao aproximar a boca no ouvido dela. Ela não compreendeu o que ele estava querendo dizer. Por que o que? Ele pareceu mais impaciente ainda com a interrogação muda nos olhos de Yulla. – Por que você consegue sentir a deusa? Por que você consegue e nenhum dos caminhantes não? Por que eu não consigo?

   Aquilo não seria algo que Yulla conseguisse responder se nem mesmo ela entendia. Simplesmente conseguia sentir a deusa, saber que direção devia tomar para que ela ficasse mais próxima do ser superior da criação. Estava tão imersa nesse pensamento que não notou a mão de Sefiron fazer um movimento, só sentiu o ardor em sua face quando ele lhe desferiu um tapa, fazendo-a voltar a realidade em segundos. Ele ainda esperava uma resposta.

   – O que você fez para ter o carisma da deusa a ponto de você sentir que está na direção certa? Você deve contar tudo que você sabe para mim.

   Yulla abriu e fechou a boca, não sabia o que dizer, só queria sair logo dali. Sefiron se preparou para lhe desferir outro tapa quando ela foi mais rápida.

   – Eu não sei ok? Eu não sei de nada. Não é uma coisa que pode ser explicada. Eu não aprendi, Eu apenas senti.

   – Está mentindo para mim. Você pode falar como se conectar a ela. Você não sabe com quem está se metendo...

   Na verdade Yulla parecia não saber mesmo já que antes Sefiron controlava o seu fanatismo para com a deusa e não parecia tão maluco assim, mas depois que ele entrara no território sagrado sua personalidade fanatista apenas multiplicou e se tornou doentia, a ponto de ele ficar louco por qualquer informação que pudesse arrancar dela.

   – Me fale agora o que você sabe para ver a deusa. – seus olhos pareciam querer sair das orbitas.

   – Eu não sei de nada. Sério.

   – Se não me contar eu a matéria sem hesitar.

   – Você não faria isso com o seu próprio mapa. – ela falou desafiadora, mesmo estando com grande medo por dentro, porém não permitiria que ele visse esse medo dentro dela.

   Sefiron pareceu estar possuído, pois ele sorriu demoníacamente e tirou seu punhal de dentro da bota e apontou no rosto de Yulla. Ela engoliu em seco enquanto olhava para a ponta daquilo.

   – Nunca duvide do que eu sou capaz. Vou começar com pequenos ferimentos só para você começar a aprender a lição. Depois disso eu não vou parar...

   Ele não chegou a concluir o ato de fato. Algo bateu na sua cabeça com força o fazendo tombar no chão em baque surdo. Yulla olhou para o que estava na sua frente e só teve tempo de gritar.

   Gritar a plenos pulmões.

Os caminhantesOnde histórias criam vida. Descubra agora