Cap.3- Lado bom.

9.3K 560 4
                                    

Camille.

  Minha rotina era sempre a mesma: acordar as crianças, dar café da manhã à elas, brincar e cuidar quando eu ia embora.
  Eu, às vezes, sentia como se a minha presença incomodasse o Sr. Tompson... Ou melhor... Alec. Ele parecia estar sem paciência pra me ouvir todo dia bater na porta pra dar "Bom dia." Ou "Até amanhã.". Teve uma vez que entrei na sala para lhe dar "tchau" e ele, sem nem olhar para mim, me disse antes de minhas palavras saírem:
– Tchau, Camille.
  Assim mesmo, na voz seca de sempre.
– Como estão as crianças? – Minha mãe perguntava.
  Isso me lembrava Alec. Essa pergunta resumia todo o nosso diálogo.
– Estão bem. Estou gostando de cuidar delas.
– Isso é bom.
  À noite, aqueles olhos azul-cobalto me vinham à mente, denovo. Mesmo que ele não olhasse pra mim. A lembrança era sempre a mesma: A primeira vez que eu o vi, com o jeito estressado, a voz sedutora e os olhos que escondiam mágoa.

  De manhã, quando cheguei, Simon me entregou um café. Eu e Simon, havíamos nos tornado grandes amigos de trabalho. Ele me contava as novidades, as fofocas e era ótimo em me fazer rir. Ele era um ótimo parceiro. Era como um segundo pai pra mim.
– Alec não acordou muito bem hoje, ele está irritado. – Simon me disse, baixinho.
– Novidade... O que houve? – Perguntei, bebericando meu café.
– Ele se irritou com uns assuntos da empresa ontem.
– Hum... Vou acordar as crianças. – Eu disse, pondo a caneca de café vazia, sobre a mesa.
  Passando pelo corredor, no caminho ao quarto de Audrey e Caleb, hesitei. A sala de Alec era logo ao lado. Fui naquela direção. Bati na porta.
– Entre, Camille. – Ele disse, me surpreendendo.
– Como sabe que sou eu? – Perguntei abrindo a porta.
  Ele deu uma risadinha, mostrando os lindos dentes.
– Ora Camille, é todo dia. – Ele disse, mexendo em uns papéis.
– Está bem. Tenha um bom dia. – Eu disse fechando a porta.
  Eu queria que nossas conversas fossem longas. Eu sabia que ele tinha aquele jeito irritado e ignorante, mas eu também sabia que ele precisava de um momento com alguém, pra conversar,... Fui até o quarto das crianças. Acariciei os braços de cada um, carinhosamente, como eu sempre fazia. Isso os acordava. Audrey estava um pouco suada, então retirei o cobertor de cima dela. Dei um beijo em sua testa e fiz o mesmo na de Caleb, para fazê-lo acordar.
– Oi. – Audrey disse, enquanto abria os olhos.
– Bom dia.
– Camille? – Caleb disse enquanto se sentava na cama.
– Eu. Bom dia.
  Eu caminhei até a janela do quarto e a abri.
– Onde está meu pai? – Audrey perguntou.
– No escritório dele. Está tudo bem? – Perguntei, notando que tinha alguma coisa de errado com ela.
– Preciso falar com ele.
– Tudo bem. Mas vamos tomar um banho antes.
  Eu os levei até o banheiro.
  Depois do banho e do café, eu ainda notava que alguma coisa em Audrey estava a incomodando. Ela brincava com o cereal e mal comeu.
– Camille, preciso falar com papai. – Ela disse.
– Está bem. Simon!
– Sim, Srta. Camille? – Ele disse, aparecendo na cozinha.
– Pode cuidar de Caleb por um instante?
  Ele assentiu com a cabeça e eu levei Audrey até o escritório do pai. Ela bateu na porta.
– Entre. – Alec disse.
   Audrey abriu a porta e ele congelou.
– Está tudo bem? – Ele disse indo em direção à filha e enchendo suas bochechas de beijos carinhosos.
– Audrey precisa falar com você. – Eu disse.
– Tudo bem. Camille? Pode nos dar uns minutos?
  Respondi que sim e saí da sala. Enquanto eu observava Caleb brincar com o carrinho de controle remoto, eu pensava sobre a tristeza de Audrey. Eu nunca tinha visto ela daquele jeito. Ela sempre foi animada, brincalhona,... Na mesma hora, eu vi Audrey saindo da sala no colo do pai. Ela me olhou e passou a mão no rosto para enxugar a lágrima que rolava sobre sua bochecha. Ela enrolou seus bracinhos em volta do pescoço dele e deitou a cabeça em seu ombro. O pai acompanhou-a até o quarto. Levantei num pulo e fui até ele.
– O que aconteceu? – Perguntei.
  Ele respirou fundo.
– Audrey sonhou com a mãe.
  Eu não soube o que dizer. Ele estava com os olhos cheios de lágrimas, mas parecia ter vergonha de chorar.
– Está tudo bem, Camille. Pode voltar ao trabalho.
  Ele colocou Audrey sobre a cama e deu um beijo em sua testa.
– Está bem.
  Parei por um instante.
– Alec...
– Sim?
– Eu sei que não tenho nada a ver com isso mas... Relaxe um pouco. Eu sei que isso te afeta, mas Audrey e Caleb são crianças e não merecem ver você assim.
  Ele assentiu com a cabeça e eu sorri. Fui até Audrey. Ela estava sentada de pernas cruzadas na cama.
– Posso entrar? – Perguntei.
– Pode.
  Entrei e me sentei ao lado dela. Ela deitou a cabeça em meu colo e eu acariciei seus cabelos loiros.
– Sonhei com a mamãe. – Ela disse.
– Como foi? Pode me responder?
– Ela era tão linda... Sonhei que ela estava comigo, passeando, fazendo coisas que mãe e filha fazem,...
– Eu acredito que ela seja bem bonita.
– Por que ela me deixou aqui?
– Sinceramente, eu não sei.
– Você não vai nos deixar, não é?
– Nunca.
  Ela me abraçou e eu dei um beijo no topo de sua cabeça. Quando saí do quarto com Audrey, ouvi uma voz ecoar do escritório de Alec.
– Camille? – Ele chamou.
  Eu abri a porta e o encontrei sentado na poltrona.
– Sim?
– Obrigado. – Ele disse, olhando pra mim.
– Disponha.
  Logo após fechar a porta, me peguei sorrindo à toa. As crianças estavam brincando.
  Depois de um tempo, Alec saiu da sala e foi em direção às crianças.
– Papai? O que está fazendo? – Caleb perguntou.
– Vou cumprir o que eu prometi.
  As crianças se animaram e ele se sentou ao lado delas. Ele olhou pra mim e eu ri. Nós dois brincamos com as crianças de vários jogos, fizemos brincadeiras,... Isso até o fim da tarde, na hora de ir pra casa.
  Fui pegar minhas coisas na cozinha.
– Você fez um bom trabalho. – Alec disse, segurando um copo de água na mão.
  Me virei para ele.
– Gosto de seus filhos, e muito.
  Ele riu.
  No momento em que olhei pra ele, ele colocou o copo de água na mesa e suas mãos tremiam. Ele estava pálido e fez uma cara feia.
– Alec, está tudo bem? – Perguntei, indo em direção à ele.
  Ele fez um gesto negativo com a cabeça e caiu, apagando na hora. Gritei por Simon que apareceu correndo na cozinha. As crianças vieram junto. Com elas desesperadas, pedi à Simon que ligasse para uma ambulância. Avisei para os meus pais que eu ia embora mais tarde.
– Dê notícias. – Mamãe disse.
  Quando a ambulância chegou, todos nós fomos ao hospital.

  As crianças estavam sentadas, caladas e balançavam os pés. O hospital estava vazio e eu estava nervosa. Tudo o que dava para ouvir era a tosse desesperada de alguns pacientes, o choro de pessoas, algumas orações, crianças e bebês,...
  Por que aquilo aconteceu? Céus... Ele estava tão bem... Ele brincou com os filhos e agora estávamos aqui, no hospital. Quando tínhamos chegado, Alec estava branco, como se estivesse morto.
  Caleb se sentou no meu colo e eu quase adormeci. O médico saiu do quarto e nós nos levantamos.
– Como ele está? – Perguntei.
– Ele está bem. Foi só um susto. Talvez uma dor de cabeça forte,...
  Suspirei de alívio.
– Podemos vê-lo? – Caleb perguntou.
– Ele está dormindo. Mas, podem fazer companhia à ele.
  Eu os levei até o quarto do hospital e com o barulho da porta, Alec acordou.
– Olá. – Ele disse, rouco.
– Vou esperar lá fora. – Falei.
– Camille. – Alec disse. – Fique.
  Caminhei até uma poltrona. As crianças subiram na cama e deitaram ao lado do pai.
– Camille, se quiser, pode passar a noite lá em casa. Está tarde.
– Tudo bem. Obrigada.
  Liguei para os meus pais e os avisei que eu ia dormir fora. Me sentei na poltrona e Alec conversou, baixinho, com os filhos.
  Depois de um tempo, as crianças dormiram agarradas no pai e eu cochilei na poltrona.
  Sonhei que eu estava em uma praia, não tinha ninguém, pareciam ser umas seis da manhã. Eu me sentei perto do mar, abracei meus joelhos e fiquei observando o amanhecer. Eu estava com um vestido branco molhado pelas ondas, uma flor rosa estava presa em meu cabelo e depois eu senti mãos quentes envolverem minha cintura. Eu sorri, fechei os olhos e recostei minha cabeça em um ombro musculoso. Quando me virei para ver quem era... O sonho acabou.
  De manhã, vi Alec se levantando e colocando as crianças em uma posição mais confortável.
– Está tudo bem? – Perguntei.
– Sim. – Ele disse. – Aquilo foi só um susto, não se preocupe.
– Tenho notado que você anda bem cansado. Precisa descansar mais.
– Eu sei. – Ele confessou. – Se quiser, pode tirar um dia de folga hoje.
– Não haverá necessidade.
  Audrey se mexeu um pouco e Alec acariciou os cabelos dela.
– Quando vou sair daqui? – Ele perguntou.
– É bem provável que você saia hoje.
  Depois de um tempo, o médico entrou na sala.
– Como passou a noite? – O médico perguntou.
– Bem. – Alec respondeu.
– Então, você, sua esposa e seus filhos podem ir pra casa.
– Oh, não. Nós não somos... – Eu e Alec dissemos juntos.
– Oh, tudo bem. Desculpem-me. – O médico disse.
  Às 10:00 horas, o médico liberou Alec e nós fomos pra casa.
  Quando eu abri a porta, Caleb estava no meu colo, eu o levei até o quarto enquanto Audrey caminhava, sonolenta.
  Coloquei as crianças no quarto e fui até o escritório de Alec. Ele estava deitado em uma poltrona, do mesmo jeito que estava da primeira vez que vim me despedir dele. Ele me olhou, sonolento.
– Desculpe. Precisa de algo? – Perguntei.
– Sim. – Ele disse. – Sente-se. Por favor.
  Me sentei na poltrona ao lado. Ele passou a mão no rosto e depois as juntou sobre o colo.
– Você já foi... Traída?
– Bom... Meu primeiro beijo foi com 14 anos, na porta de casa. No dia seguinte o garoto estava com outra menina. Não sei se isso é uma traição... Pra você. – Eu disse, rindo.
– Falo de traição de confiança.
– Bom... Eu não sou do tipo que tem muitos amigos. As pessoas que conheço sempre foram boas e fiéis comigo.
– Katie foi minha primeira namorada. Eu... Desisti de tudo, por nós... Pelas crianças. Mas ela se aproveitou e os abandonou. Às vezes, me sinto inútil por não dar muita atenção à eles. E... Tenho medo de você ser como as outras babás. Deixá-los como elas e a mãe deixaram.
  Eu vi que ele era uma pessoa boa, ele se importava e amava muito os filhos. Percebi o porquê de tanta arrogância e pouca conversa. Ele tinha medo. Mas nem se passava pela minha cabeça deixar as crianças. Elas eram... Felizes, engraçadas, amorosas...
– Não vou deixar as crianças. Mas... Se quer um conselho, aqui está o meu. – Cheguei perto e segurei a mão dele. – Descanse. Seus filhos precisam de você bem. Eles estavam com a felicidade a mil quando você brincou com eles. Eles querem te proteger também, você é tudo o que eles tem.
  Ele sorriu. Ele olhava pra mim com uma tranquilidade incrível, e se aproximava de mim. Engoli em seco.
– Acha... Que posso tentar denovo? – Ele perguntou se aproximando.
– Todos merecemos uma segunda chance.
  Simon entrou na sala sem bater e Alec se levantou num pulo.
– Oh meu Deus... Sinto muito, me desculpem.
   Até que Alec teve uma reação inesperada.
– Tudo bem. – Ele disse, tranquilo.
  Fiquei boquiaberta. Alec nunca reagiu tão bem em meio a uma situação dessas.
– Bom... Eu... Já vou indo. – Falei.
– Sim. Obrigado... Camille. – Alec disse, envergonhado.
  Saí da sala e fui até o quarto das crianças. Eles dormiam serenos. Dei um beijo no topo da cabeça de cada um e fechei a porta com cuidado. Resolvi aceitar a idéia da folga.

  Cheguei em casa, exausta.
– Como ele está? – Mamãe perguntou.
– Bem.
– E as crianças? – Meu pai perguntou.
   Me sentei no sofá, de frente pra eles.
– Elas são uns amores.
– Que bom que você está se acostumando.
– E o seu patrão bonitão? – Anna debochou enquanto descia as escadas.
– Ele está bem. – Falei. – Estou exausta. Preciso dormir.
– Tudo bem. Bons Alecs.
– Ah meu Deus... Você é insuportável. – Eu disse, rindo.
  Quando subi, me joguei na cama. Lembrei de tudo com Alec. A forma que ele brincava com Audrey e Caleb, a pessoa verdadeira por dentro da aparência ignorante. E novamente... Os olhos. Bem perto dos meus.

  Na manhã seguinte, quando cheguei no trabalho, fiquei surpresa. Alec estava sem o terno. Ele usava roupas normais. Uma camiseta branca, uma bermuda cinza e um tênis. Por Deus... Ele estava lindo. Ele estava brincando com as crianças.
– Bom dia! Já acordados?
– Sim! – Caleb disse me abraçando.
– Está melhor? – Perguntei à Alec.
– Sim.
– Já tomaram café?
– Eles, sim. Mas eu adoraria uma companhia. – Alec disse.
   Corei.
– Pois bem. Vamos.
  Eu e Alec fomos até a cozinha e tomamos café.
– Estou pensando em... Viajar com as crianças. – Ele disse.
– Sério? Isso é ótimo.
– O que você acha?
– Como assim?
– Vai aceitar o convite ou não? – Ele me perguntou com um sorriso maravilhoso.
– Está falando sério?
– Eu não brinco, Camille. E então?
– Alec... Eu não quero atrapalhar. São seus filhos. Querem ficar com você.
– Pare de besteira... Eu estou lhe convidando e você vai para tirar umas férias.
– Se elas ficarem felizes...
– Tenho certeza que irão.
  Depois do café, enquanto as crianças brincavam, eu e Alec conversamos.
– E então? Pra onde você planeja ir? – Eu perguntei. – Disney?
– Não falei que você era esperta?
– Jura?
– Quero um lugar que seja bom pra eles. A Disney é... Incrível.
– Eles sabem?
– Não.
  Ele riu. Ficamos observando Audrey e Caleb brincarem e rimos quando Caleb escorregou de patins na sala. Depois, começou a chover. Era uma chuva bem forte e a luz acabou.
– E agora? – Audrey perguntou.
  Olhei para Alec e percebi que ele estava pensando em algo.
– Agora... A gente faz uma coisa que eu fazia quando eu era um pouquinho mais velho do que vocês. – Alec falou.
– O que?
– Camille, pegue uma lanterna.
  Com dificuldade, achei uma lanterna na gaveta da cozinha. Entreguei-a à Alec e ele a acendeu.
– Histórias de Terror. – Ele disse.
   Caleb comemorou, mas Audrey sentou no meu colo e me abraçou. Alec contou uma história de uma menina que se perdeu numa floresta amaldiçoada. Cheia de bruxas e animais horríveis.
– O que aconteceu com ela? – Audrey perguntou, depois que ele contou a história.
– Eles a acharam.
  Ele disse que tudo aquilo era um sonho da menina, mas, nesse sonho, ela tinha caminhado mesmo até a floresta. Eu e Audrey suspiramos de alívio.
– Acharam a cabeça.
  Um trovão fez um barulho imenso na hora e eu e Audrey gritamos.
– Ora, Camille... Está com medo? – Ele debochou.
– Não. Pavor.
  Nós rimos. A luz voltou e as crianças ficaram tristes.
– Vamos resolver o problema. – Alec disse, se levantando.
  Ele apagou a luz e as crianças comemoraram. Nós quatro brincamos e depois adormecemos no tapete da sala.
  Acordamos com as risadas de Audrey e Caleb. Eu levantei rápido; eu estava deitada com a cabeça no ombro de Alec.
– Do quê estão rindo? – Eu perguntei.
– Nada...
  Eles foram para o quarto mas, faziam corações enquanto andavam. Eu ri e Alec levantou.
– Obrigado.
– Só fiz o meu trabalho: divertir e cuidar das crianças.
– Eles se divertiram muito.
– É...
  Ele me olhou e tinha se aproximado. Nossos lábios estavam à centímetros um do outro. Fechei os olhos e ele acariciou meu rosto.
– Se beijem. – Alguém sussurou do corredor.
   Alec parou e se afastou.
– Caleb. Pare! – Audrey sussurou.
– Ham... Eu já vou indo. – Eu disse pegando minha bolsa e colocando-a sobre o ombro.
  Alec assentiu com a cabeça e se despediu. Quando saí, parei alguns segundos na porta e pensei em como o meu dia foi maravilhoso. Alec estava diferente, de bom humor, disposto a aceitar mudanças boas na vida dele e talvez, disposto a perceber o lado bom que ele tem.



  




À Procura do Amor (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora