Capítulo 14

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Lia Marques

Cheguei em casa desanimada depois de mais um dia inteiro em filas de agências de emprego. A crise no país era realmente grave, as filas nessas agências pareciam cada dia maiores. Eu conversava com as pessoas que buscavam trabalho, e via todo tipo de gente, inclusive aquelas muito bem qualificadas. O fato é que isso, no momento atual, não estava garantindo emprego para ninguém. O que seria de mim, se nem qualificação direito eu tinha. Eu precisava estudar.

Encontrei Dona Antônia, na sala da minha casa assistindo televisão, enquanto Julinha brincava no tapete com suas bonecas, sem perceber minha chegada, tamanha era sua distração em seu mundo infantil de faz de conta. Vê-la ali tão feliz com sua brincadeira, apertou meu coração. Ela era minha total responsabilidade e não via jeito de dar-lhe uma vida melhor. Como faria para sustentar minha menina, nos sustentar? Ainda era novinha, mas logo teria que pensar numa boa escola. O que eu faria? Me peguei pensando se agi certo com ela, ao lado de Heitor, Júlia teria tudo: as melhores escolas, as melhores oportunidades. O que eu fui fazer? Quando resolvi ir embora, achei ser o melhor para nós duas. Imaginava como seria difícil para ela, ter um pai tão controlador como era comigo. Julinha era uma menina doce, mas já mostrava certa personalidade, um pouquinho parecida comigo. Tinha medo também dos negócios de Heitor, eu tinha dificuldade para compreender de onde vinha tanto dinheiro. Ele tinha terras, mexia com gado, ações de empresas, petróleo e provavelmente, outras áreas que nem ousava saber. Muitas vezes fiz perguntas e, obtive respostas incompletas e não substanciais. Ele devia achar que eu era uma idiota por não desconfiar de nada.

- E então, minha filha, conseguiu algo hoje? - Dona Antônia quis saber, diminuindo o som da televisão para que pudesse ouvir o que eu tinha a dizer.

- Nada! Infelizmente nada. Nem entrevista hoje, consegui agendar. Não sei o que vou fazer, Dona Antônia. – Respondi a ela, sentando-me ao seu lado no sofá, enquanto minha filha parecia nem ter me visto entrar, distraída em sua brincadeira.

- Não se desespere, minha filha. Fique com a cabeça no lugar! Você precisa ficar firme pois tem essa menininha que precisa de você.

- Por isso mesmo, Dona Antônia! Essa é minha maior angústia! Ela merece ter uma vida boa. Eu sou uma boa porcaria de mãe! - Desabafei enquanto as lágrimas já inundavam meus olhos.

- Não chore, Lia! Não na frente da menina.

- É que já não tenho mais dinheiro e o senhorio virá cobrar o aluguel que está atrasado e não sei o que fazer. Vai acabar nos mandando sair do imóvel. Não tenho a quem recorrer. Só vai me restar voltar ao Brasil, e isso vai significar ter que abrir mão de Júlia. Eu tenho certeza. Ele vai querer me punir e não existe castigo maior para mim, do que perdê-la e ele sabe disso.

- Ele quem, querida? - Dona Antônia perguntou espantada. Eu não havia contado nada a ela.

- Meu marido. Eu sou casada. Fugi e ele não sabe onde estamos.

- Você saiu do país com a menina, sem o consentimento dele? - Ela perguntou diminuindo o tom de sua voz, para que Júlia não nos ouvisse.

- Sim e também sei que não poderia ter feito isso.

- Querida, isso é crime!

- Eu sei, Dona Antônia. Eu me informei, chama-se subtração de incapaz. Por isso tenho tanto medo de voltar. Ele vai me botar na cadeia! Mas isso não é o pior, mas sim, ficar sem ela. Heitor vai toma-la de mim, e eu não posso viver sem minha filha.

- Meu Deus, Lia! O que você foi fazer!

- Eu não aguentava mais viver com um homem tão dominador e cruel. Foi um casamento arranjado. Eu tentei amá-lo, mas não consegui. Ele não queria o meu amor, só a minha obediência. Eu não aguentava mais viver daquela forma!

Não era para ser assimOnde histórias criam vida. Descubra agora