O sol já estava se pondo no céu alaranjado por detrás da copa das árvores quando eu escutei minha mãe me chamando.
- Sofia! - pude vê-la pela janela da cozinha.
Meu cabelo extremamente preto refletia os poucos raios de sol que também faziam meus olhos acobreados ainda mais brilhantes. Estava toda suja de areia, e ainda investi mais uma vez a minha pazinha contra o chão, cavando com força e rapidamente. Olhei para a janela da cozinha para conferir se minha mãe ainda estava lá, mas ela já tinha sumido. Sua figura não demorou a aparecer na porta, descendo pelos degraus que davam para o quintal.
- O que está fazendo aí, mocinha?
Meu rosto sujo de terra se virou para ela com um pouco de inconformidade e tristeza.
- Tô tentando encontrar o Elvis.
- Você o quê? - pareceu confusa.
- Ele morreu.
- Sim...
- Eu vi ontem na televisão.
- Ontem...? - Ela ergueu o olhar para o alto coçando a cabeça e se lembrou que era aniversário de morte do meu cantor favorito, então continuou. - Ah sim, querida. Mas já faz muito tempo.
- Você nunca me contou - voltei meu olhar para o chão encarando o buraco profundo que eu já havia feito.
- Eu sei - pareceu realmente triste. - Não quis te contar, Sofia. Ele é seu cantor favorito e não queria que você ficasse triste.
- Tudo bem, mamãe. Mas agora estou procurando ele.
- Como assim, Sofia? - agachou ao meu lado tentando entender o meu raciocínio de oito anos de idade
- As pessoas enterram quem morre, não enterram? - perguntei tirando o cabelo do rosto.
Minha mãe apenas assentiu assustada.
- Estou procurando ele. Quem sabe ele não está enterrado aqui?
O sorriso da minha mãe que estava por um fio se desfez finamente dando lugar a um ar de tristeza e pena.
- Ah, querida. Ele não está aí. Ele está lá longe, perto de onde a família dele mora.
Meu rosto se contorceu numa careta e uma lágrima rapidamente se formou no canto dos meus olhos.
- Mas olha só, não fique triste. Venha jantar. Depois do banho podemos assistir um monte de filmes dele. O que você acha? - tentou me animar.
- Pode ser - eu disse desanimada batendo as palmas das mãos na minha calça que era de cor rosa, pelo menos era antes de eu ter começado a escavação. Tentei tirar um pouco do excesso de terra na roupa antes de dar a mão para ela.
Quando já estávamos no batente da porta, me virei para trás e mirei inconformada o buraco no chão.
- Vem - minha mãe me puxou carinhosamente com a palma da mão estendida nas minhas costas.
Meu pai parecia ter acabado de chegar em casa do trabalho. Tirava os sapatos na porta como costumava fazer todos os dias alongando os dedos enquanto vinha me beijar na testa. Era um ritual que eu amava.
- O que há com a minha princesa? - quis saber ao ver meu beicinho.
- Ela está um pouco triste hoje. Descobriu que o Elvis já foi pro céu - minha mãe intercedeu antes que eu começasse a falar.
- Poxa vida - meu pai disse pesarosamente, ele sabia da minha paixão pelo ídolo. - Acho que hoje vamos precisar de medidas drásticas - falou olhando com súplica para minha mãe.
- Ok, - ela continuou se dando por vencida enquanto eu não entendia nada. - mas só hoje.
- Vou buscar! - ele disse se levantando num pulo e então voltou com o pote de sorvete da cozinha.
Tomar sorvete antes da janta era algo que eu jamais imaginei que ia poder fazer, mas nem assim minha tristeza passou completamente. Claro que um sorriso meio torto surgiu no meio do meu rosto ainda com marcas de terra assim que uma taça enorme foi colocada na minha frente.
Meu pai segurou a mão da minha mãe delicadamente quando ela se sentou também e tomou sorvete. Era uma mistura de amor e agradecimento.
Respirei fundo antes da primeira colherada de uma das coisas que eu mais gostava no mundo. Encarei a cobertura descendo pelo sorvete e senti novamente uma pontada de tristeza.
Como prometido, depois de uma dose grande de glicose por causa do sorvete e outra por causa das batatas cozidas com vegetais, ficamos os três na sala assistindo Aloha From Hawaii. Meus pais no sofá e eu de banho tomado espalhada no tapete fofo em frente à televisão. O rosto apoiado nas mãos, os cotovelos doloridos de apoiar todo meu peso, mas os olhos estavam vidrados.
A cara extremamente bronzeada do Elvis dançava e cantava na televisão quando me virei pra trás e notei que os dois tinham adormecido.
Eu tinha apenas oito anos de idade, mas eu sabia que nunca ia poder ver meu ídolo de perto.
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Alucinante
RomanceSofia sempre nutriu amores platônicos por astros do rock. Alucinar com um deles parecia um sonho até virar um pesadelo em potencial. Uma história que, dadas as condições, deve ser interpretada com a devida liberdade poética. TODOS OS DIREITOS RESERV...