A galeria estava tomada por outros médicos. Ver Cristofer em cirurgia era brilhante, um aprendizado e tanto. Mas o que me chamou a atenção quando entrei não foi a quantidade de pessoas que estavam assistindo, e sim o som que vinha pelos interfones. A voz de Heaven tocando na sala de cirurgia como eu costumeiramente fazia.
Abaixei a cabeça quando me sentei e comecei a rir silenciosamente.
- Você está bem? – Olívia quis saber.
- Estou bem – olhei para ela sorrindo, mas com os olhos marejados. – Apenas interpretando alguns sinais.
Qualquer coisa que viesse de mim não seria julgada, pois eu tinha um cérebro defeituoso como álibi.
Enquanto ela segurou minha mão olhando lá para baixo, Cristofer virou seus olhos para gente, como se estivesse nos procurando, e então sua expressão se suavizou quando fizemos contato visual.
Apesar da máscara que ele usava, pude ver em seus olhos que ele sorria. Devolvi o sorriso enquanto balançava a cabeça afirmativamente. Olívia não reparou, mas Cristofer, com certeza, entendeu o recado.
***
Cheguei em casa exausta e ainda não tinha esquentado completamente. O frio percorria meu corpo de forma dolorida quando desabei no sofá com a bolsa ainda nos braços e uns cupcakes da confeitaria da nova namoradinha de Cristofer.
O casaco tinha algumas gotas da chuva que peguei ao sair do carro e entrar em casa.
Fiquei sentada em silêncio pensando no dia bizarro que tive. Estava sozinha. Minhas alucinações estavam sumidas, e eu escutava a voz de Heaven como se ainda estivesse do meu lado.
Eu estou alucinando que estou alucinando?
Levantei contrariada pela preguiça e alcancei meu notebook. Larguei a bolsa no chão, os bolinhos na mesa de centro e o abri depressa colocando o nome de Heaven na busca com a data do dia. Em segundos fotos pipocaram na tela mostrando o astro em uma praia só de bermuda amarela, as tatuagens aparentes, a pele levemente bronzeada do sol, os cabelos... ah os cabelos despretensiosamente bagunçados ao vento. Era uma coleção de fotos semelhantes. Algumas em um barco com mais pessoas que eu não reconheci, outras na areia jogando seu esporte favorito. Ele estava bem longe daqui.
Cérebro traiçoeiro.
Tomei um banho quente escaldante para me esquentar. Preparei um chá e sob as cobertas, continuei minha perseguição a ele.
- Bolinho danado de gostoso – disse com a boca cheia olhando para o cupcake mordido na minha mão.
A garota nova de Cristofer nem imaginava, mas eu já a amava. Por fazer tão bem a ele, e por fazer tão bem os cupcakes.
Voltando minha atenção para o computador, assisti a alguns vídeos e dei risada do jeito palerma de Heaven. A forma como ele mexia os lábios para alcançar notas mais altas era encantador. O jeito de dançar um pouco descoordenado. O cabelo no rosto. Os palavrões que ele gritava e fazia o público vibrar em resposta.
Fechei meus olhos e lembrei do Heaven que morava no meu cérebro. Talvez um pouco mais alto que o verdadeiro. Mais despenteado. Igualmente lindo.
Distraída por causa dele, passei horas e horas sem meus pensamentos me levarem até Gabriel.
Por um breve momento quase fiquei feliz de estar doente por poder ter visto ele. Então automaticamente arregalei os olhos repreendendo meu pensamento absurdo. Meu coração estava acelerado e eu o sentia batendo de encontro ao meu peito. Um calor percorreu meu corpo. O desespero por estar doente surgia e sumia sem meu controle.
Em alguns momentos eu esquecia completamente desse tormento e parecia apenas um sonho distante. Em outros, parecia bem concreto, como o chão vindo de encontro ao meu corpo num tombo.
Comecei a hiperventilar, me desvencilhei dos cobertores com pressa e andei pela sala com a minha meia de lã. Senti que o medo estava tentando me dominar. E estava conseguindo.
Parei, coloquei as mãos nos olhos e respirei profundamente para acalmar o corpo e a mente. Estava quase que regulando meus sentidos quando o celular começou a tocar e a voz de Heaven ecoou pela sala me fazendo dar um pulo.
- Merda! – gritei pulando de susto.
Era Olívia.
- Oi, querida. Só checando se está tudo bem.
- Está sim – preferi omitir o medo, o susto, o desespero...
- Amanhã você vai atender às recomendações médicas que passamos, não vai?
- Pode ficar tranqüila. Vou descansar.
- Bom.
- Mas quero ver vocês de noite. Pode ser?
- Claro. E qualquer coisa me ligue.
- Você também. E obrigada.
- Boa noite, querida.
- Boa noite.
Fechei meus olhos mais uma vez para me desligar. Puxei o ar com força e balancei minha cabeça negativamente. Voltei para o sofá que ainda estava quente e me cobri. Deitei de lado cobrindo quase que todo meu rosto. Meu cérebro trabalhou pouco antes de adormecer.
Acordar sozinha sem um despertador aos gritos era estranho em um dia que eu deveria estar trabalhando.
Abri os olhos, mas não levantei. Mirei o teto ainda despertando todos os sentidos quando vi Carter parado sob o batente a porta. Eu não me assustava mais. Mas quando o percebi ali, sentei de sobressalto com a possibilidade de Heaven aparecer também.
Olhei para o outro lado da sala. Nada.
- Cadê teu amigo?
O silêncio de Carter era uma qualidade e um defeito.
- Heaven? – sussurrei me sentindo idiota.
Silêncio novamente.
Levantei com dificuldade ainda atordoada de sono.
- Sai da minha frente – disse ao passar por Carter que se moveu como uma tartaruga para o lado.
Olhei no corredor, depois no escritório. Vazios.
Subi as escadas acarpetadas sem emitir som algum e quando o quarto surgiu no meu alcance de visão chamei mais uma vez, mas não tinha nada lá.
Parei pensativa no meio do cômodo tentando entender.
- Você podia tirar uma folga e deixar o Heaven Strike sorridente e falador com as covinhas mais perfeitas desse mundo te substituir, né? – olhei para Carter.
Suspirei com o silêncio.
- Preciso de um café – resmunguei descendo.
Abri a geladeira para pegar leite e dei de cara com um bolinho fossilizado. A aliança ainda estava cravada nele. Tive certa dificuldade para arrancá-la dele.
Lavei o anel na pia para guardar. Assim que tivesse oportunidade devolveria para o Gabriel.
Enquanto meu café ficava pronto, pensei em um jeito de ver Heaven. Foi quando tive uma brilhante ideia: ir a um show.
Eles estavam em turnê, mas não tinham planos de passar de novo por aqui. Ia ser difícil, mas eu ia morrer mesmo, que mal faria?
Levei o meu notebook que já estampava diversas fotos dele para a cozinha e busquei por datas e locais não tão distantes. Uma excitação percorreu minhas veias e eu sorri para mim mesma. Eu definitivamente não iria sozinha.
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Alucinante
RomanceSofia sempre nutriu amores platônicos por astros do rock. Alucinar com um deles parecia um sonho até virar um pesadelo em potencial. Uma história que, dadas as condições, deve ser interpretada com a devida liberdade poética. TODOS OS DIREITOS RESERV...