Capítulo 19

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Fazia cinco dias que eu ficava praticamente sozinha em casa.

Meus pais iam trabalhar e eu ficava lá. No começo, eu chorava muito. E mais nada. Ficava com o rosto deformado ao final do dia. Mas não queria me enterrar mais no jardim da tristeza. Então pedi meus livros de medicina. Não imaginei que eu tivesse tantos. Meus pais saíram da floricultura e passaram na minha casa para buscar o que eu tivesse por lá.

Tentei fazer força para ler e compreender alguma coisa ou quem sabe lembrar, mas nada. Era frustrante, mas eu parei de sentir pena de mim, e resolvi aceitar, embora fosse difícil em alguns momentos não sentir uma pontinha de tristeza.

Acordei na sexta-feira sem vontade de ficar enfiada nos livros. Fiz um café bem forte e fui para o quintal na parte de trás da casa.

A mesma árvore que soltava folhas no outono ainda estava lá. Balançava os galhos lentamente no ritmo do vento. O céu estava azul como há dias não ficava. Então, me lembrei de certo dia na infância, em que eu fiz um enterro sob a árvore.

Busquei uma colher na cozinha e sentei na grama bem rente ao tronco. Sorri com as lembranças. Me ajoelhei e comecei a cavar.

Não demorou muito para que eu atingisse a lata enterrada há tanto tempo ali. Cavouquei em volta dela para conseguir tirá-la de lá. Terminei usando as mãos e um pouco da unha.

Quando ela saiu do buraco, sentei me recostando no tronco da árvore enquanto limpava um pouco da terra que ainda tinha sobre ela. Estava enferrujada, mas ainda estava inteira. A lata que um dia tinha sido de café agora era um tipo de sarcófago de lembranças.

Dentro dela, vários objetos do Elvis. Eu lembrava de cada um e especialmente do dia em que enterrei tudo ali. Minha mãe ficou muito triste com a minha decepção a respeito da morte dele, então, fizemos um funeral simbólico com broches, recortes de revista, um colar havaiano e um desenho que eu tinha feito de nós dois juntos.

Lembrar daquele dia me fez sentir os olhos ardendo por vontade de chorar. Mas eu sorria. Uma lágrima chegou a escapar enquanto eu olhei para o alto respirando fundo.

Se eu ainda tivesse oito anos de idade, sentiria orgulho de mim? Iria me orgulhar do que me tornei? Nem eu mesma sabia quem eu era.

Não podia me entregar, devia isso à menina sonhadora que chorou a morte do ídolo na infância.

Levantei limpando os joelhos marcados de terra e entrei decidida a me livrar da tristeza.

- Lembranças nós criamos todos os dias - falei passando pela porta da cozinha. - Talvez eu tenha que cursar medicina novamente, ou, virar florista - dei risada.

Lembrei que meu pai sempre tentava me alegrar com sorvete, e senti um desejo enorme de retribuir. Tomei um banho demorado para ver se lavava também a minha alma.

Revirei minhas roupas na mala que meus pais me trouxeram, mas não encontrei nada que me agradasse muito. Era tudo sério demais. O meu armário do quarto ainda tinha roupas que eu havia deixado para trás, então resolvi dar uma olhada e bingo. Coloquei um short jeans largo e uma camisa de florzinhas. Era confortável e discreto. Talvez a nova Sofia desaprovasse, mas quem mandava naquele corpo, no momento, era a Sofia que estava feliz por sair de short.

Passei pela mesa da sala onde minha mãe sempre deixava dinheiro para alguma emergência, pois eu ainda não tinha descoberto a minha senha do banco, tão pouco tive vontade de trocar em alguma agencia.

Meus pais comentaram que o mercadinho continuava no mesmo lugar, caso eu precisasse de alguma coisa. Não seria nada diferente do que eu estava acostumada, mesmo que um abismo me separasse daquela rotina atualmente.

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