Os meses seguintes a minha volta pra casa foram insuportáveis. Não podia trabalhar, o que me irritou profundamente. E algum jornal descobriu o meu milagre e em uma semana eu chegava a receber quatro ligações de vários lugares interessados em contar minha história. Mas eu me negava e repudiava a possibilidade de virar uma atração de circo.
- De jeito nenhum! – falei contando pros meus pais e eles concordaram.
Aproveitei meu tempo para me dedicar aos estudos. Li bastante. Acompanhei algumas cirurgias e continuei minha terapia. As sessões começaram a ficar mais espaçadas e eu estava começando a me sentir melhor.
As notícias eram sempre boas e animadoras. Sentia um torpor absurdo. Minhas melhores expectativas antes da cirurgia jamais chegariam aos pés das boas notícias que eu sempre recebia a cada consulta.
Eu era um verdadeiro milagre, sim. E quase me arrependi de não ter feito reportagens para dar esperanças para pessoas que, mesmo que provavelmente morressem, pudessem terminar as vidas com a tranqüilidade da tentativa.
Certo dia, estava na cozinha quando escutei Cristofer e Olívia conversando na sala. Eles não sabiam que eu estava lá, e pude ouvir como estavam surpresos com a minha recuperação. Eram dois médicos conversando, não os meus amigos. Não pude culpá-los. Se eu estivesse de fora, pensaria da mesma forma.
Os primeiros fios de cabelos começaram a despontar na minha cabeça quando eu menos esperava. Era horrível. Eu ri no primeiro dia. Depois comecei a achar apavorante. Nunca tive vergonha da minha careca. Quase não usei o artifício do lenço. Mas aquele cabelo crescendo ralinho era feio.
Usei a peruca morena que Olívia tinha me dado por um bom tempo. Era a mais natural. Mas ainda assim, alguns dias eu ia loira até a farmácia. Outros, saia pra jantar bela e ruiva. Meus pais achavam o máximo.
***
Meu cabelo estava no ombro quando saí do consultório médico com a notícia mais maravilhosa de todos os tempos. O câncer não havia voltado. As metástases regrediram e eu finalmente poderia ficar tranqüila. Nunca mais ia me livrar da rotina de exames, por segurança, mas o pesadelo estava no fim, mesmo que fosse me assombrar pelo resto da vida, e eventualmente, voltar. Eu conhecia a saga.
Cristofer e Olívia estavam em cirurgia, queria muito contar pros dois, mas teria que esperar.
As portas automáticas do hospital se abriram para eu sair, como se eu tivesse cumprido uma pena e finalmente agora tivesse ganhado liberdade. Respirei fundo, aliviada, e logo meti a mão dentro da bolsa procurando o celular lá dentro para ligar pros meu pais. Mas quando comecei a discar dei um encontrão em uma pessoa e por pouco não derrubei o aparelho.
- Sofia! – Gabriel falou assustado e surpreso.
- Oi... – respondi meio sem jeito, ajeitando meu cabelo que crescia um pouco desordenado.
- Cristofer me falou que você estava bem, mas você parece ótima!
- Obrigada – respondi pensando se contava ou não para ele a novidade. Mas queria que meus pais fossem os primeiros a saber.
- Eu estava indo ao café.
- O dos cupcakes? – perguntei surpresa.
- Isso mesmo. Você conhece?
- Conheço, adoro os bolinhos deles – falei me lembrando de Sofia, a dona do lugar.
- Você gostaria de... tomar um café?
- Poxa. Não posso infelizmente – menti. – Tenho que encontrar meus pais. Mas quem sabe um dia a gente não se encontra por lá? – quis ser simpática.
- Ok – respondeu um pouco sem graça.
Ficamos momentaneamente sem reação. Não sabia se abraçava ele, ou só acenava.
Meio sem jeito nos abraçamos rápida e desconfortavelmente.
Andei com pressa depois que me desvencilhei do abraço. Me sentia envergonhada pela situação. Andando, fiquei pensando no que tinha acontecido. Avaliei minha emoção e os sentimentos.
Nada.
Eu não tinha ficado balançada. Na verdade, eu nem tinha pensado mais nele nos últimos meses. Mais um milagre.
Entrei em casa desesperada por um banho. A água morna relaxou meu corpo automaticamente. Um banho livre. Livre de medo.
Estava secando o cabelo em uma toalha e enrolada em outra quando meu celular tocou. A porta estava aberta, então sai correndo do banheiro até minha bolsa que estava sobre a poltrona no quarto.
- Mãe!
- Oi. Tudo bem, filha?
- Tudo ótimo. Ia mesmo te ligar – falei voltando para o banheiro.
- É mesmo?
- Fui hoje no médico.
- E por que não me contou? – ela perguntou brava.
- Não sei, mãe – falei passando a mão esquerda pelos cabelos – Mas o caso é que eu estou curada mesmo. O intervalo não fez o câncer voltar. Estou em remissão. Finalmente livre! – falei dando um pulinho.
Senti meu corpo subindo no ar e, quando aterrissei, os meus pés descalços em contato com o azulejo molhado derrapou e eu cai. Vi quando meu rosto foi chegando perto da pia e lembro do som alto que fez quando minha cabeça bateu no granito gelado. Em seguida, outro som alto do contato com o piso. Depois foi só escuridão.
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Alucinante
RomanceSofia sempre nutriu amores platônicos por astros do rock. Alucinar com um deles parecia um sonho até virar um pesadelo em potencial. Uma história que, dadas as condições, deve ser interpretada com a devida liberdade poética. TODOS OS DIREITOS RESERV...