Capítulo 10

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Quando estávamos nos retirando para voltar, o Henrique volta com trajes para viagem.

- Onde você vai? - pergunta a rainha Úrsula.

- Vou acompanhá-los. - diz Henrique. 

Saímos os três em direção a carruagem. Meu irmão estava nitidamente alterado. Ele não tinha costume de beber. E mesmo quando bebia, ainda que pouco, já ficava assim.

Entramos na carruagem e partimos viagem. Fomos o caminho quase todo em silêncio. Vez ou outra trocávamos alguma palavra, mas nada que se prolongasse. Durante quase todo o caminho de volta caia alguns pingos de água do céu, que depois se transformou numa forte garoa. Fiquei um pouco aflito devido ao perigo que isso poderia causar. Como estávamos próximo, a velocidade foi diminuída.

Chegando no palácio, descemos e entramos rapidamente para dentro. Antes mesmo que alguém pudesse falar algo, meu irmão pede ao Henrique para ficar e repousar por esta noite com seus cavaleiros, pois estariam correndo perigo. A princípio ele não queria, recusou a oferta, mas foi convencido pela insistência do Ethan.

- Antonela, separe um quarto para o Rei Henrique dormir esta noite, deixe alguns lençóis sobre a cama. - ordenou meu irmão.

- Certo, majestade. - falou e saiu.

Ele mal me olhava. Estava bocejando muito, obviamente iria cair no sono quando chegasse ao seu quarto. As poucas vezes que me olhava, sua feição era de raiva e desprezo.

- Pode subir, Charlie. Não queremos cansar o Rei. Amanhã nós dois conversamos. - falou seco em minha direção, mas sem me olhar diretamente.

Eu senti um forte alívio por Henrique ter ficado, tenho certeza que meu irmão iria gritar comigo, e me jogar na cara muita coisa. Ele havia bebido e isso com certeza intensificaria sua raiva. Ele nunca havia me batido, mas temia que um dia ele o fizesse.

Subi para meu quarto, tomei um banho, vesti uma roupa e deitei. Fiquei pensando sobre os livros, as histórias, o fato de que havia, finalmente, encontrado alguém pra conversar e chamar de amigo. Imaginei também se meu irmão mudaria quando se casasse, podendo até se tornar mais dócil e menos amargurado.

Um tempo depois, ouço algo bater de leve. Me sento na cama, e olho para todos os lados e não ouço nada. E novamente uma batida de leve na direção da porta. Decido me levantar e verificar o que era. 

Ao abrir a porta, tomo um susto ao ver Henrique parado ali com um leve sorriso no rosto.

- Posso entrar? - pergunta ele.

- Mas está tarde... E meu irmão...

- Dormindo. - me interrompe antes mesmo que eu pudesse concluir a frase.

Não falo mais nada, apenas dou espaço para ele entrar. Espero que eu não entre em alguma encrenca por isso. Me sento na cama e ele se senta do outro lado.

- Seja sincero comigo, Charlie... De que você tem medo? - perguntou diretamente.

Eu não respondi, apenas baixei a cabeça e fiquei calado. Eu não sabia o que responder, nem o que falar pra ele.

- Seu irmão te agride? - pergunta.

- Não. - respondo rapidamente. - Ele nunca levantou uma mão sequer pra mim... mas... é complicado. - conclui após pensar um pouco.

- Porque complicado? Vocês são irmãos e deveriam se apoiar. - diz ele.

- Acho que ele me culpa pela morte de nosso pai. - falo abaixando a cabeça. - Eu era uma criança, não podia imaginar que aconteceria o que aconteceu. Eu não tive culpa. - algumas lagrimas começavam a descer.

- Ei, se acalme, você não teve culpa.

- Estávamos brincando e meu barquinho foi levado pelas ondas. Ele foi tentar pegar e as ondas se intensificaram e ele se afogou. Desde esse acontecimento ele é estranho comigo. - disse pondo as mãos na frente do rosto.

Ele se aproximou, sentou ao meu lado e colocou seu braço em volta de meu pescoço. Ele era quente, seu braço era firme. Naquele momento me senti protegido e ao mesmo tempo parecia que toda angustia que tinha dentro de mim estava entrando em erupção e eu precisava por tudo pra fora. E então eu chorei, como uma criança que se perdia da mãe.

Ele encostou minha cabeça sobre seu peito. Sua mão segurava firme minha cabeça e a outra me acolhia.

- Calma, Charlie. Você não teve culpa disso. Foram apenas circunstâncias... Ethan não deve te odiar, só não deve saber como lidar com isso ainda. - falava enquanto me abraçava. - Você é frágil demais. Precisa ser forte, talvez assim você consiga por algumas coisas em ordem.

Ele deveria ter razão, eu era muito inocente. O fato de minha mãe ter falecido, me fez ficar muito mais sensível. Era como se eu tivesse parado naquele momento em que ela partiu e esquecido de crescer. Me afastei um pouco dele.

- Obrigado. Por se preocupar comigo e por ter vindo. Mas você deve ter outras prioridades, precisa ir dormir. - disse tentando o convencer a ir descansar.

Ele não falou nada. Escorou as costas nos travesseiros e ficou um pouco inclinado. Me puxou um pouco e apoiou minha cabeça sobre seu peito, me fazendo deitar.

- Eu irei. Mas você precisa descansar antes. - falou ele passando a mão por meus cabelos.

Eu resolvi me acalmar.  A última vez que lembro de ter me sentido assim era quando minha mãe me abraçava para dormir. Fechei os olhos e tentei descansar, sentindo seu cheiro invadir meu nariz e seu coração bater um pouco acelerado.

Acordei pela manhã e abri os olhos rapidamente imaginando que ele podia estar ali ainda. Olhei para os lados e não vi ninguém. Um alívio percorreu meu corpo. Se meu irmão acordasse e encontrasse Henrique no meu quarto... Não gosto nem de imaginar o que ele poderia fazer. 

Meus pensamentos estavam a mil. Eu sorria, suspirava, me pegava imaginando coisas bobas e criando cenas sobre determinadas situações. Era um sentimento bom e novo. Diferente de tudo que eu já havia sentido, e eu não estava assustado com isso, nem tinha medo. Eu só estava... Leve.

Os Dois Lados do Espelho (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora