-1- Will

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Eu devia ter ido dormir cedo.

O som do ronco de carro, irrompeu pela noite. Observei pela brecha na cortina da janela do meu quarto o fusca azul estacionar na entrada da casa da Sra. Mirian. Ela parecia ansiosa, até se esquecera de soltar o cinto de segurança antes de descer do fusca. Abafei um risinho com a mão.

Fiquei observando a Sra. Mirian tirar duas malas de dentro do carro e agrupa-las na varanda, na entrada da sua casa. A noite estava fria, comum na cidade de Lopez, por volta de 15°, dava para ter uma ideia com ela esfregando as mãos constantemente e nuvens de vapor que saiam da sua boca enquanto falava. Foi então que percebi que ela conversava com alguém que permaneceu dentro do fusca o tempo todo. A Sra. Mirian por fim abriu a porta do passageiro e a pessoa mais sinistra e desajustada desceu do carro.

Era uma garota, sim, isso dava para perceber, mas ela era assustadora. Não assustadora do tipo feia, assustadora do tipo bizarro, sobrenatural. Ela era muito magra, esquelética, em uma palavra eu diria pontuda, tão pálida que parecia florescente na noite, seu cabelo cobria uma parte do rosto, mas parecia ter sido cortado com uma faca de pão por uma criança de 4 anos, era assimétrico. A vi se colocar de pé com dificuldade, caminhou com a ajuda da Sra. Mirian, não parecia ser forte o suficiente para caminhar sozinha. As perdi de vista quando alcançaram a porta da entrada.

Olhei para o relógio, estava marcando 2:41 am.

Um pouco tarde para chegar de viagem...

Sra. Mirian devia estar com pressa para dirigir de madrugada. Quem será a garota? Nunca soube que tivesse parentes...

A luz do quarto, paralelo ao meu, da casa da Sra. Mirian, acendeu. Nossas casas ficam uma ao lado da outra e essa janela fica bem em frente à minha. Não resisti de observar.

A garota sinistra parecia ainda mais estranha sobre a iluminação do quarto. Tinha um olhar vago, desligado como se não estivesse de fato ali. Devia estar dopada de remédios, ou o poir.

Sra. Mirian passava apressada de um lado para o outro, eufórica. Eu continuava a observar sem saber o que estava esperando que acontecesse, talvez a garota fosse alguma vampira ou um zumbi e a qualquer momento atacaria a Sra. Mirian. Não contive uma risada, assumo, eu tenho lindo muito sobre seres sobrenaturais, por razões bem mais pessoais.

Vi a garota tirar o cabelo assimétrico do rosto com a mão ossuda, quando levantou o olhar, nos encaramos, olho no olho. Me assustei e quase cai para trás sem saber o que fazer por ser descoberto.

Seu olhar era vazio e triste.

Ela murmurou algo e a Sra. Mirian parou na janela, me mandou um aceno com a mão e fechou bruscamente a cortina.

-Pronto! - agora ela vai achar que eu a estava espiando...tudo bem, eu estava, mas não com maldade. Já posso imaginar o ela vai dizer para o meu pai: "Reverendo Cicero, William estava espiando minha casa pela janela. Como um representante religioso da nossa cidade devia melhor educar seu filho. Isso é inadmissível! "

Com que cara eu poderei ir novamente a confeitaria que a Sra. Mirian é dona? E não é qualquer confeitaria, é a melhor e a única da cidade de Lopez.

Sem sono algum, me deitei na cama e me lembrei por que ainda estava acordado, era algo nas minhas costas que doía, a mesma sensação de quando se está nascendo uma espinha enorme na sua testa. A diferença que era bem maior a proporção da dor, mas a mesma sensação de extração. Eu olhei no espelho inúmeras vezes, mas não havia sinal de nenhuma marcar, nada, era somente a sensação de algo saindo, me incomodando. Me deitei de barriga para baixo e tentei dormir, mas se já era a dor para incomodar agora também vinha a imagem daquela garota, parecia a personagem de um filme de terror.

ClepsidraOnde histórias criam vida. Descubra agora