Acordei sentindo gosto amargo na boca e a barriga roncando de fome. Eu estava deitado numa cama baixa no que parecia ser uma despensa. Me sentar na cama foi a parte fácil o difícil foi firmar a perna para me levantar, fiquei tão zonzo com a dor que senti com o esforço, que voltei a sentar. Meu jeans estava destruído do joelho para baixo e estava com ataduras limpas, mas uma mancha circular, pequena de sangue estava se formando. – Porcaria! – praguejei.
– Você devia ficar deitado rapaz. – falou o velho Garret passando por uma cortina de algo que devia ter sido um lençol. – Você me assustou ontem. – ele me estendeu uma tigela de algo quente, eu podia ver o vapor subindo.
– Obrigado. – disse aceitando a tigela. Era caldo de carne.
– Garoto eu conheço seu pai, não sou familiarizado com o trabalho dele, mas sei que ele é um bom pai. – me encolhi atrás da tigela.
– Eu não liguei pra ele. Eu tenho princípios com meus clientes, o que acontece no meu bar, fica no bar... – eu quase respirei aliviado, meu pai não sabia que eu estava ali, porem havia uma reticencia na frase de Garret, um "mas" ainda por ser dito.
– Mas eu preciso saber no que você se meteu ontem, por que se a polícia chegar até aqui eu não quero ser preso como cumplice...sem nem saber a história toda. – eu fiquei avaliando. O quanto eu poderia dizer de verdade sem de fato dizer tudo.
– Eu vou abrir o bar daqui a pouco e não vou poder ficar cuidando de você, tem alguém que você poderia chamar para vir? –foi então que eu percebi que ele não estava disposto a ficar comigo ali se eu não podia confiar nele e não o julguei errado.
– Estou doente. – comecei, sem saber uma forma melhor de começar. Ele balançou a cabeça como se tivesse apreciando minha escolha em contar o que houve, puxou um banquinho e se sentou, minha história seria longa. – Eu não estou com uma doença convencional e por isso não fui ao médico, nem mesmo contei ao meu pai. Sinto dor, muita dor e preciso cada vez mais de remédios...– ele continuou escutando e não parecia que iria me interromper com perguntas.
– Eu roubei a morfina no hospital e tenho tomado muitos analgésicos – a isso ele pareceu reagir, como se agora eu começasse a aparecer dizer a verdade.
– Invadi a casa do Sr. Casimiro, ele tem receita medica para comprar morfina, sei disso, por que ele frequenta o pet shop onde eu trabalhava para Miles.
– Você é um viciado? – ele perguntou sem alterar sua expressão passiva. – Se for isso, há tratamento. – eu senti a irritação habitual me tomando, mas eu precisava me controlar.
– Não sou viciado. – disse apertando a tigela nas mãos. Levantei com dificuldade, entreguei a tigela a Garret, tirei minha jaqueta verde, fiquei de costa para ele e tirei minha camiseta, só soube o quanto o assustei pois ele deixou a tigela cair no chão, quando me virei ele estava se levantando ainda impressionado.
– Santo Deus! – eu não sabia como ele iria reagir, mas acho que ele mereceu saber a verdade. Lembro vagamente de chegar tarde da noite no bar, eu fiquei à espreita quase perdendo a consciência, esperando até que o ultimo bêbado fosse ajudado a sair do bar. As mãos calejas de Garret seguraram firme meus ombros e me arrastar para dentro.
–Você é um... – fechei os olhos como se doesse o que ele ia dizer.
–Não diga. – implorei. Ele levou a mão a boca e parecia preste a chorar.
–Eu vou embora, não vou voltar mais, prometo! – comecei a dizer para tranquiliza-lo. Ele começou a caminhar em círculos como se não soubesse o que fazer e precisasse se mexer.
–Você precisa ir ao médico. – disse apontando para o curativo que agora era uma grande mancha de sangue.
– Não posso ir, ou vão descobrir que fui eu que invadi a casa do Sr. Casimiro.
–Você não pode ficar aqui assim, precisa de cuidados médicos!!!
– Me leva pra casa. – foi o que consegui dizer.
– Quer que eu ligue pro seu pai?
– Não, apenas me leve até lá e me deixe no portão, não quero te trazer problemas, eu me viro. –Ele passou a mão na cabeça careca.
– Eu não sei...
– Eu não sou um problema seu, sei me virar, além do mais, acho que está na hora de encarar meu pai. – ele olhou para mim como se estivesse cometendo um crime.
–Eu te levo agora, se quiser. – eu assenti.
–Fique ai, vou tirar o caminhão da garagem. – em menos de dez minutos ele voltou, estendeu o braço para me apoiar nele, eu aceitei. O carro era uma perua que foi modificada com uma carroceria.
–Vai ficar tudo bem. – eu lhe disse e senti uma descarga de energia passar pelo meu braço ir até minha mão e se espalhar pelos meus dedos onde eu me segurava no braço de Garret. Ele pareceu mais calmo e fez aquele familiar grunhido que era sua risada. O carro cheirava a salgadinho de queijo e poeira. Quando contornamos o bar saindo da garagem, os primeiros clientes de Garret já estavam a postos na entrada.
–Se abaixa garoto! – falou ele e eu obedeci. Percorremos todo o caminho comigo escondido. Ao virarmos na rua Ganímedes, eu podia ver minha casa no fim dela, na rua Encelado. A rua Ganímedes ficava bem no meio da rua Encelado, que mesmo sendo longa dos dois lados ela terminava virando a esquerda na Rua Phobus e do outro lado virando a direita na rua Orion.
Era cedo, mas nem tanto e o caminhão do Garret não era nada discreto. O risco de ser visto era grande, mas eu já estava de saco cheio. Garret me ajudou a descer e me apoiou até o portão.
– Vou esperar notícias suas. – Garret apertou os lábios e se arrastou de volta para seu caminhão. Eu saltitei até a porta de casa e com cuidado abri a porta da frente. Aguardei para ver se havia alguém em casa, não ouvi nada e saltitei para dentro. Caminhei até o corredor alcançando a escada, me sentei no primeiro degrau e com o apoio dos braços e da perna boa, me ergui e sentei no próximo degrau e assim fui subindo a escada. Me levantar depois foi o mais difícil quando alcancei o topo da escada, mas o alivio de estar em casa, a poucos metros do meu quarto me dava animo. Me arrastei para minha cama e todos os meus problemas pareceram cair em cima de mim. Tateei minha jaqueta no bolso interno, contornando com os dedos o frasco de vidro, aliviado por estar ali. Chacoalhei o frasco e os comprimidos pareciam cantar para mim.
–Desculpa Garret, mas não vai ser hoje que vou me tornar a nova aberração.
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Clepsidra
FantasyAssim como as ampulhetas antigamente e os ponteiros de hoje em dia, Clepsidra marca a era de uma antiga rixa, as previas de uma guerra. O tempo está escorrendo. Will é um adolescente aparentemente comum, que vive com o pai, o Reverendo Cicero nu...