Não dormi quase nada, mas nada ficaria atrapalhando minha quase estreia como o goleiro no colégio, ignoraria a dor e daria o melhor de mim.
Minha ansiedade era tanta que nem fome eu tinha, passei pela cozinha e só falei já na porta uma despedida ao meu pai, que tomava uma xícara de café com Socorro, a mulher que mantem a nossa casa em ordem e as vezes faz nossa refeição.
Peguei minha bicicleta, encostei no portão, destranquei o trinco e passei pedalando. Um arrepio percorreu minhas costas até minha nuca, olhei rápido para atrás e vi o maior cachorro da minha vida, freei fazendo os pneus derraparem, e voltei a olhar para trás, para a entrada da casa da Sra. Mirian, assim que consegui ter estabilidade na bicicleta. Mas não havia mais cachorro nenhum. M-mas co-como, ele estava ali, eu vi.
Me aprumei na bicicleta e voltei a pedalar, voltei a olhar para trás, para a casa da Sra. Mirian até perde-la de vista. Era um cachorro bem grande, eu sei o que eu vi.
Quando cheguei no colégio havia uma atmosfera de festa, risos e euforia em todos os lados. Eu era cumprimentado, acenavam para mim e eu até ganhei um beijo de boa sorte da Salete. Era como ser uma celebridade. Vanessa tinha razão, a sensação era ótima.
Vanessa surgiu por entre uma galera que se amontou em volta de mim para me dar boa sorte.
– Da licença, melhor amiga passando! – Ela abriu caminho até me alcançar e segurar meu braço e me tirar do meio da galera.
– Eu disse que você seria um sucesso instantâneo. Era um desperdício deixar um loirinho como você enfurnado na biblioteca, seu lugar é na quadra sendo campeão!!! – Falou ela entre risos. Bem diferente de ontem.
–Você disse mesmo. – Ela me olhava com aqueles grandes olhos verdes enquanto arrumava a gola da minha jaqueta verde. – Estarei torcendo por você...ganhe o jogo e tera uma surpresa.
– Que tipo de surpresa? – Perguntei olhando para suas mãos em mim e depois para seus olhos.
–Não pergunte, não direi nada, vença o jogo! – O primeiro sinal tocou. Ela girou sobre os calcanhares e caminhou para aula, seus cachos balançavam enquanto caminhava. Achei engraçado.
No time de futebol do colégio; Lupinos, tínhamos um lobo no emblema, azul claro, preto e prata.
Nossa partida era contra o time Candices da escola da cidade vizinha de São Joaquim. E eu não só estava substituindo um goleiro no time. Eu estava substituindo o ex-goleiro e capitão do time, que se formara no ano passado, Thomas Reis. O Rei, como o chamávamos. Ele se tornou lendário, era imbatível. Nada passava por ele e a força que ele transmitia era contagiante, o time acreditava nele.
Depois de se formar Thomas deixou a cidade de Lopez, se mudou para Florianópolis. O capitão se tornou Renan Pierre, Volante, que se forma este ano e por isso não escode o desejo de ser tão exemplar quanto Thomas foi.
As horas pareceram voar e logo estava sendo levado ao vestiário. Meu maior problema foi para vestir o uniforme sem que ninguém visse minhas costas. Mas estavam todos ansiosos demais para prestar atenção.
O nervosismo misturado com todo o calor que eu estava sentindo estava me deixando nauseado. A sensação de extração queimava. Lembro de suspirar antes de me levantar e sair do vestiário em direção a quadra.
Toda escola parecia estar lá, gritando, aplaudindo e assoviando. Quando cheguei, as garotas do grupo de danças, que estavam vestidas como líderes de torcida gritaram histéricas, agitando a multidão a fazer o mesmo. Vanessa as liderava, ela acenou para mim, acenei de volta. A vi cochichar algo para Sandy, a garota com sardas e as duas riram.
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Clepsidra
FantasyAssim como as ampulhetas antigamente e os ponteiros de hoje em dia, Clepsidra marca a era de uma antiga rixa, as previas de uma guerra. O tempo está escorrendo. Will é um adolescente aparentemente comum, que vive com o pai, o Reverendo Cicero nu...