Como ele se atreve? E o que eu tinha em mente quando pensei em aparecer na sua casa oferecendo ajuda... Bem feito para mim por querer ajuda-lo. Abri o portão com força e empurrei descuidada para que fechasse sozinho, quando ele bateu, me arrependi de tê-lo soltado. Me disponho a ajuda-lo e é assim que ele me trata.
Parei quando vi os cães em frente de casa, como se estivessem esperando por algo. Estavam sentados, olhando para minha casa e podia jurar que eles se viraram todos para minha direção assim que sai para a calçada.
Abri o portão de casa, olhei para trás e lá estava mais de uma dúzia de pares de olhos me observando. –Vão embora!!! – gritei pra eles, e como tirados de um transe, todos puseram a correr cada um para um lado.
Tia Mirian só viria pra casa mais tarde e isso me dava um interminável tempo para não fazer nada. Desenhei um pouco, comi uns bolinhos com glacê rosa e terminei o dia assistindo tv, na verdade trocando os canais na tv incessante, até que Lui começou a latir anunciando que tia Mirian chegara em casa. Ouvi ela arfando cansada, antes de chegar a entrada. Trazia um embrulho grande, todo verde com bolinhas amarelas. Ela olhou para mim e depois para o embrulho, parecia calcular a distância. Ela largou o embrulho na porta da entrada. – Pra você! – e se soltou no sofá, colocou as pernas pro alto antes de deitar totalmente, soltando todo ar dos pulmões. Comecei a desembrulhar, a princípio me ocorreu que fosse uma bicicleta, ao menos os pneus e aros eram de uma. Mas ela parecia ter sido dobrada feito uma toalha. – Ela está fechada, só um minuto criança, deixa essa velha recuperar o folego... – ela rolou para fora do sofá e eu contive uma risada. Observei como ela desdobrava a roda, puxava o guidão, o banco e apertava as travas. E lá estava a bicicleta. Era vermelha. Abracei tia Mirian e ela afagou meu cabelo carinhosamente.
– Agora você pode andar por ai... – segurou meu rosto com as duas mãos e pousou sua bochecha na minha testa. – Só tenha cuidado.
– Obrigada, eu amei. – ela segurou minhas mãos e muito entusiasmada disse: –Vamos experimentar dar umas voltas!
Ela me ajudou a levar a bicicleta para fora, me ajudou a sentar e depois da minha terceira queda, ficou claro que eu não sabia andar de bicicleta. Ela colocou as mãos na cintura. – Que tia você arrumou Amber, eu também não sei andar de bicicleta. – e começamos a rir.
– Venha, vou te mostrar o novo doce para o inverno, isso eu sei fazer. A abracei enquanto entravamos. – O que acontece no inverno para ganhar um doce? – perguntei, quando estávamos na cozinha.
– A temporada de inverno é quando pessoas do país inteiro vem para Lopez, ficamos cheios de turistas que querem sentir o gostinho do frio... – ela pegou um livro e folheou ele.
– Seu livro de receitas.
– Sim, aqui eu anoto todas as receitas deliciosas que vendemos em La Dulce. Ela apontou para um embrulho sobre a bancada. Tinha o emblema de La Dulce escrito em dourado. Dentro havia pequenas esferas negras, brilhantes.
–Vou chama-lo de perola negra. Experimente Amber, diga o que acha. – elas tinham o tamanho de uma bola de ping pong. Cheiravam a açúcar, e quando mordi, sua casca crocante cedeu, era feita de açúcar caramelizado.
– O recheio é feito de açaí com creme de leite doce. – tia Mirian contava enquanto eu me deliciava.
– Ele é delicioso, vai ser um sucesso tia!
– Em Abril teremos a festa da maça. E ainda temos que nos preparamos para o Festival de inverno em Julho. Lopez fica cheia de turista e temos que dar conta, não é mesmo? – ela sorriu gostoso. E eu tentei não rir com a boca cheia.
– O que acontece na festa da maça? – perguntei.
– Uma festa inteiramente de maças. Sabe que somos um dos maiores produtores de maça Fuji? Todos os anos a festa da maçã é um acontecimento na cidade, onde os mais variados pratos, com maça é claro, são produzidos. Ha competições, concursos e a cidade esta as vésperas do inverno e o clima de outono a deixa fascinante. – Isso parece algo legal.
– E é. Nossas vendas aumentam, há música e todos parecem estar em festa! – ela entrelaçava os próprios dedos, como para se conter de tanta animação.
– Mas agora vou andando que eu não posso demorar mais, certo, Agata está na confeitaria sozinha. – ela pegou sua grande bolsa azul do cabide, aquela que ela só leva quando vai passar no mercado, ela odeia as sacolas de plástico por poluir o ambiente.
– Volto as 19h querida! – ela me deu um beijo no topo da cabeça. – Você vai ficar bem? – perguntou e olhou para a porta de saída.
– Claro, fique tranquila, eu não vou tentar andar na bicicleta sozinha. – ela colocou a mão na boca para abafar um riso constrangido. – É melhor mesmo querida. Mas vamos tentar novamente, eu prometo! – ela saiu quase saltitante de casa.
***
Na manhã seguinte, a única coisa que se falava era do roubo a casa de um aposentado, Sr. Casimir, que aparentemente morava sozinho com 4 cachorros.
Tia Mirian me levou para a La Dulce, temendo que eu estivesse vulnerável sozinha em casa com um assaltante solto por Lopez. Mas quando ficamos sabendo por uma das moradoras da rua do Sr. Casimir que a única coisa roubada foram os remédios do aposentado eu supus que não haveria perigo algum eu ter ficado em casa, a não ser que eu tivesse prescrição medica para morfina.
– O velho homem está assustado, ele está em Lopez a quase uma década e não esperava por isso. Um dos cachorros dele atacou o assaltante, mas por algum motivo não tanto a ponto de detê-lo.
– disse a mulher um tanto esquelética, que parecia ter contado essa história vezes demais e já a estava protagonizando.
Eu não ia tentar explicar a tia Mirian que não havia perigo, não do tipo que ela estava começando a moldar na sua cabeça, mas não queria ficar lá pela La Dulce, quando os irmãos Galegos aparecessem.
– Vou dar uma volta... – me levantei e sai, antes que tia Mirian driblasse a mulher que eu não me dei o trabalho de decorar o nome e que não parava de falar no que deveriam fazer com vândalos como o que roubou o Sr. Casimir. Não acho que Will seja um vândalo, só está perdido, desesperado. Talvez eu devesse procurar o Sr. Cicero.
A La Dulce fica numa viela sem saída, de pavimentação de pedra, sem calçada, é larga mas não é permitido transito de veículos. O comercio de Lopez de concentra ali, lojas, uma colada na outra, algumas são sobre outras lojas. Chamam a esse aglomerado de lojas de Mercadejo, pelo menos é isso que tia Mirian disse estar escrito na grande placa na entrada da rua.
Atravessei a faixa de pedestre alcançando a praça. Um grande círculo arborizado, parecia uma pintura de primavera, bancos de madeira e postes luz que lembravam lampiões antigo. Havia também um coreto no meio da praça, com escadas dos quatro lados dele, todo azul e branco e telhado vermelho.
Do meu lado direito eu podia avistar a igreja Matriz de Lopez, era só questão de atravessar a rua, provavelmente o reverendo estaria lá, mas eu queria ver de perto outra coisa. A moça do jarro.
Deixei a praça e parei na faixa de pedestre, eu já podia ver a superfície da lagoa Mansgrises dali e a clepsidra despontando para fora dele. Quanto mais me aproximava da lagoa, mais tomava consciência o quando a moça do jarro estava longe de ser alcançada, eu pensei que poderia toca-la, mas ao chegar a lagoa, que percebi a distância da beirada até o centro. Eu teria que esperar até o inverno, quando a água congelasse e eu poderia caminhar até lá.
Uma grande pedra que estava alguns metros de mim e tinha sido gravado algo, que eu não tinha muita certeza do que era, não conseguia entender e era uma pedra já bem gasta. Talvez eu pudesse perguntar a alguém.
Esse pensamento sumiu quando percebi que Andrés estava só a alguns metros de mim. Ele era a última pessoa que eu queria ver agora. Mas não parecia ter me notado, estava chutando pedrinhas na direção da lagoa Mansgrises, cabeça baixa, podia jurar que estava falando sozinho. Sabia, completo maluco.
Nesse momento irrompeu do céu um barulho totalmente desconexo a calmaria de Lopez, um helicóptero passou baixo indo em direção ao bosque Groveste, avistei muito ao longe a única casa construída no morro depois do bosque.
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Clepsidra
FantasyAssim como as ampulhetas antigamente e os ponteiros de hoje em dia, Clepsidra marca a era de uma antiga rixa, as previas de uma guerra. O tempo está escorrendo. Will é um adolescente aparentemente comum, que vive com o pai, o Reverendo Cicero nu...