Depois de acordar no pronto socorro do hospital de Lopez, a primeira coisa que perguntei foi a data, um medo de estar acordando do coma novamente me apoderou de tal forma que acharam que eu estava tendo uma crise e me sedaram. Quando acordei pela segunda vez, já fazia mais de 6 horas que estava lá e sem sinal da presença da tia Mirian me ocorreu que ela se esqueceu de mim e um pensamento ainda pior que talvez eu tenha que passar a noite sozinha no pronto socorro. Eu fechei os olhos para me acalmar, ainda estava zonza do calmante. E não queria outro. O cheiro do quarto me fez enjoar, lembrava desinfetante, sangue, sabão e cachorro molhado. Cachorro molhado? Devo ter batido a cabeça também. Quando abri os olhos o quarto parecia estar escurecendo, olhei para a janela e vi que ela ia perdendo seu brilho aos poucos. Esta anoitecendo.
Tentei me sentar na cama e só então percebi meu punho enfaixado e meu pé estava com uma tala de gesso. Isso me impedia de ir embora por conta própria. Onde estaria minha tia para me levar?
Só então me lembrei do lobo. Oh céus, será que o Andrés está bem, será que está aqui também?
Não havia sinal algum de qualquer pessoa e eu pensei em gritar. Luz vinha da porta entre aberta e a sombra de alguém transitando no corredor saltou aos meus olhos. – Ei você!!! – chamei. Quem estava lá fora não respondeu, mas parou no corredor, parte de sua sombra ainda estava no chão. – Sei que ainda está ai. Se não pode me ajudar, poderia ao menos chamar alguém, por favor! – comecei a achar ridícula aquela situação, que tipo de hospital é esse afinal que deixa seus pacientes sozinhos. – Sei que está ai, estou vendo sua sombra!!! – quase gritei. – Escuta, não posso sair daqui, engessaram minha perna, você poderia ao menos acender a luz do quarto... –esperei que com minha voz quase de suplica atendesse ao menos esse pedido.
– Não quero ficar no escuro. –a sombra sumiu de vez. Recostei a cabeça no travesseiro e fiquei admirando a escuridão do teto.
O frio do lugar parecia subir pelos meus pés lentamente e intensamente. Exatamente, o que havia acontecido?
Estava na trilha, Andrés caminhava atrás de mim, subíamos para o topo da cachoeira, quando um lobo enorme apareceu...Nem sinal do Andres. Ele deve ter se escondido na hora, nenhum lobo poderia devorar ele tão rápido e silencioso em segundos, não mesmo, ele me deixou pra morrer no lugar dele, não houve um sinal de aviso ou algo que indicasse que ele foi pego antes de mim. Ele se escondeu pra salvar a própria pele e me deixou sozinha pra lidar com o lobo.
O que eu teria feito no lugar dele? Teria gritado, no mínimo me dado uma chance...Não morri afinal, mas foi por pouco.
Em algum momento não senti mais o chão e quando perdi o controle do meu corpo e rolei sentido a ribanceira achei que uma dor insuportável anunciaria meu fim e depois não haveria mais nada. Seria um vazio, escuro insensível, da morte.
Uma sequencia de explosões que vinham de algum lugar lá fora me pegou de surpresa, em seguida, passos pesados no andar de cima, percorriam o corredor apressados.
As luzes do meu quarto acenderam. Olhei automático para o interruptor ao lado da porta, onde uma mão deslizava para fora. Com dedos sujos de algo preto entre as unhas e a manga de uma jaqueta verde. – Ei espere, o que está acontecendo lá fora!!! – Mas não havia mais ninguém.
– Obrigada. – Sussurrei.
Algum tempo depois, uma mulher vestindo calça e blusa verde claro e muita agua oxigenada no cabelo, entrou no quarto. – Tudo bem flor? – Eu não respondi, apenas fiquei observando ela entrar e pegar uma prancheta presa na grade da cama que eu estava. – Amber? – Assenti com a cabeça. – Eu sou a enfermeira Aline. Você sabe onde está? – Assenti com a cabeça novamente.
– Ok. Você teve uma luxação no tornozelo por isso vai ficar com o gesso alguns dias, o curativo no braço foi um corte raso, água e sabão nisso. – Ela deu uma pausa me olhando com grandes olhos de avelã e vi como uma deixa para perguntar. – Onde esta tia Mirian? – Ela se aproximou do meio da cama e se sentou na beirada – Choveu muito enquanto você esteve dormindo, o nível do rio subiu e ela ficou presa no sitio da Agata. Você vai ficar conosco essa noite. – Vindo dela parecia algo irremediável, mas acolhedor.
– Como você se machucou? – Ela sorriu ao perguntar como que para me incentivar a falar. – O que esta acontecendo lá fora? – Perguntei ao invés de responde-la. – Ela deu uma rápida olhada pro lado, na direção que ocorreu o barulho das explosões, parecia avaliar se devia me contar a verdade. – Alguém soltou bombinhas na entrada do pronto socorro, tem pessoas que não tem noção de seus atos. – Ela olhou para mim como se agora fosse minha vez de falar. Ela parecia mesmo pronta para ouvir o que eu tinha para contar sobre meu acidente, ate quis lhe contar sobre o lobo e perguntar sobre o traidor do Andres, então um grito: "Fomos roubados!!!". Ela me olhou com os olhos arregalados, deu uma batidinha na cama como para deixamos para mais tarde nossa conversa e saiu do quarto. Ouvi murmúrios nos corredores depois disso, sobre morfina. Alguém roubou a morfina do hospital.
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Clepsidra
FantasyAssim como as ampulhetas antigamente e os ponteiros de hoje em dia, Clepsidra marca a era de uma antiga rixa, as previas de uma guerra. O tempo está escorrendo. Will é um adolescente aparentemente comum, que vive com o pai, o Reverendo Cicero nu...