-20- Amber

11 2 0
                                    

O céu estava claro como nunca tinha visto desde que cheguei em Lopez com sua temperatura baixa, úmida e fria, sempre fria. Mas essa noite ele estava forrado de estrelas, como se alguém tivesse derramado glitter no manto azul escuro acima das nossas cabeças.

Me deitei no quintal e apoiei a cabeça nos braços. Enquanto ouvisse o som do chuveiro, tudo estaria bem, tia Mirian estava no banho e não precisava saber que eu estava no quintal tomando um ar gelado. "E mortal para seus pulmões fracos." Posso imagina-la dizendo.

Havia o som de um piado, perto. E naquela noite os cachorros pareciam ter ido dormir se esquecendo de mim, já que não havia o habitual concerto de latido toda vez que dou as caras na rua.

Semana que vem eu volto a ir à escola, o que não me agrada em nada. Mas o clima aqui em casa não está dos melhores, tia Mirian conversa comigo como se estivesse pisando em cascas de ovos desde o acidente e aquela história que Andrés inventou sobre eu tentar me matar. Os irmãos Galegos estão sempre me fazendo de palhaça. Eu devia ter contado para todo mundo sobre o lobo. E eles iriam dizer que eu estou inventando também e tia Mirian acabaria acreditando neles. Mas uma coisa é certa, Estuardo ficou com medo...

Ouvi alguém reclamar baixo e logo em seguida chutar alguma coisa e reclamar novamente. Me levantei devagar reconhecendo que o som vinha do quintal do lado. Cheguei perto do muro e para poder ver acima dele, subi num vaso de barro de aparência abandonado a muito tempo. Pude ver Will com sua bicicleta não tão incrível agora. Estava amassado o aro da frente como se ele tivesse colidido contra algo. Sua jaqueta era verde.

Quando ele ergueu o olhar e me flagrou o observando me abaixei rápido, mas não antes de reparar que o nariz dele havia sangrado, estava seco e havia escorrido pelo rosto e pescoço. Ele pode ter pedalado enquanto sangrava para ficar assim.

– Eu vi você Amber! – ele falou mais cansado do que aborrecido. Voltei a subir no vazo de barro e apoiei o braço no murro, ele estava me esperando com aqueles olhos amarelos de gato. Vou te dizer uma coisa sobre os olhos de Will, eles são como calda de caramelo, mas não há doçura ali. – Da para consertar? – perguntei olhando para a bicicleta e aliviada de poder desviar do seu olhar. Pelo estado da bicicleta a batida foi feia e outra, a batida ocorreu depois de algo acertar o nariz dele ou ele não teria ficado ocupado demais para limpar o rosto, provavelmente fugindo, pedalando em tal desespero que deu com a bicicleta em algum lugar, daí então, voltou com ela desmontado.

– Da sim, isso aqui sim, tem conserto! – ele parecia estar falando mais do que só da bicicleta, mas eu não quis perguntar.

–Você vai à escola amanhã? – perguntei já sabendo a resposta. –ele alisou o aro da bicicleta como se estivesse pensando no que responder. – Não vou... – ele também não tinha ido hoje ou antes de ontem e nenhum dia da semana. Mas eu o via sair todas as noites.

– Sei que disse que te acompanharia para casa depois escola, mas tenho coisas para resolver...

– Não se preocupe, não tenho ido a aula. – o interrompi, não via por que dele se sentir responsável por uma promessa que ele fez a minha tia e não a mim.

– Acho melhor eu falar com a Sra. Mirian, para te arranjar outra pessoa... – não precisa, vou ficar mais alguns dias em casa de repouso.

– Como está sua perna? – ele perguntou.

– Já está melhor, tirei a tala...– foi ai que percebi que não contei ao Will que machuquei a perna, como ele podia saber? – Fico só mais alguns dias de repouso. – ele coçou a cabeça e juntou as sobrancelhas, tão mal articulado quanto eu para manter uma conversa.

– Sabe, eu preciso ir, esta tarde...– eu concordei com um balançar de cabeça e me apoiei no muro, me preparando para descer do vasinho.

– Amber...– voltei rápido quando o ouvi me chamar.

– Sim? – ele olhava para o chão como se estivesse lendo o que fosse me dizer. – Se você estivesse com um grande problema e tivesse tentado de tudo e nada desse certo, o que faria?

– Procuraria um amigo para me ajudar, alguém em quem pudesse confiar. – ele sorriu como se eu tivesse dito uma bobagem.

– Qual a graça?

– Ha coisas que não dividimos com amigos.

– Então você não tem amigos de verdade William. – ouvi Lui latindo e isso me fez lembrar de Tia Mirian e de que eu não deveria estar no quintal, tropecei de susto quando a porta da entrada abriu e tia Mirian apareceu de roupão esbravejando sobre minha imprudência.

– O que está fazendo ai fora uma hora dessas Amber? – me levantei com a ajuda dela, limpei a terra do jeans.

– Ouvi um barulho, vim ver o que era... – falei.

– E achou o que era? – ela me perguntou um tanto cética.

– Eu não, mas se eu estivesse procurando algo eu iria querer ajuda, talvez de um amigo. Posso ser esse amigo Will. – tia Mirian colocou as mãos nos quadris surpresa.

– O que foi que você disse Amber?

– Nada, estou pensando alto, melhor entrarmos, sim.

Sem saber como, conseguia sentir que ele ainda estava lá, do outro lado do muro, nos vendo se afastar. Esperando, para sair pela noite. Mas qual era o proposito disso?

ClepsidraOnde histórias criam vida. Descubra agora