Ela atravessou o corredor e fez questão de me encarar, como se eu a tivesse traído. A notícia que deixei o time de futebol se espalhou rápido e era questão de pouco tempo mesmo até Vanessa ficar sabendo. Ainda assim, ela não me confrontou com "porques" ela apenas me encarou, como ela faz com quem sente desprezo. No fim das contas, acho que não me importo tanto. Nossa amizade deixou de ser o que era a muito tempo. Não lembro quando foi a última vez que fizemos algo que eu queria fazer ou algo que realmente fosse divertido, pelo menos na minha opinião, já que para Vanessa o gosto por atormentar a vida dos outros ultrapassou os limites de diversão e ela fazia isso como um trabalho muito bem remunerado.
Minha próxima aula era de Educação Física, melhor nem ir e evitar o pessoal do time.
Meu celular vibrou. Notificação do perfil Maledicentes. Esse perfil era acompanhado por todos no colégio, era atualizado constantemente por informações que os próprios alunos enviavam pra ele.
"Ele desistiu de defender o gol, também desistiu de se vestir bem. De onde ele resgatou essa jaqueta verde?"
Revirei os olhos, ao mesmo tempo que os celulares começaram a vibrar e tocar, os alunos se olhavam buscando reconhecer quem mais viu a nova notificação.
Atravessei o corredor, esbarrando em alguns ombros, escutando comentários e desejando sair dali imediatamente, mas antes...
Parei no 3º andar e aguardei encostado na parede ao lado do banheiro feminino. Eu sei que é o andar que Vanessa mais frequenta, pois é onde tem o espelho de corpo inteiro no banheiro. Vanessa saiu logo, ria com suas duas "capangas". Segurou seu olhar no meu quando me viu. Sem desvia-lo disse as duas garotas para irem sem ela. – Olá William! – ela disse cruzando os braços.
– Porque postou aquilo? – perguntei. Ela riu afetada.
– Não fui eu.
– Não acredito em você. – falei de volta.
– Não me importa, Wi.lli.am! – ela balançou a cabeça fazendo um 'Z' com o queixo quando soletrava as silabas do meu nome.
– Qual o seu problema Vanessa? – eu não desviei o olhar, mesmo parecendo rendido.
– O meu problema? Eu que pergunto qual é o seu problema William? – desviei o olhar para o chão. Ela se aproximou mais para falar. – Você não anda mais comigo, deixou o time, não aparece as aulas e o problema sou eu?
– Você não entenderia. – foi o que consegui dizer.
– Experimenta me contar. – ela apertou os dedos das próprias mãos em um soco ao lado do corpo. Devia estar furiosa.
– Não dá. Eu mudei! – coloquei as mãos nos bolsos da jaqueta por não saber o que fazer com elas.
– Estou vendo, se tornou um babaca. Passar bem! – ela passou por mim esbarrando de propósito. Apertei os dedos dentro dos bolsos da jaqueta. Sentia dor nas costas, raiva no peito.
– Você está péssimo. – ela falou, então se foi, balançando seus caracóis. E eu sabia que ela tinha razão, eu estava péssimo.
Não conseguia dormir, as dores me enlouquecendo. Estava quase me rendendo e indo procurar um médico. Mas ontem, numa rápida pesquisa no Google e as chances de se tornar a próxima atração bizarra da internet fizeram me manter longe da ideia.
Deixei a escola me perguntando porque ainda me dava o trabalho de vir. Essa noite eu precisava me anestesiar, esquecer do olhar de Vanessa junto com a dor. Essa noite.
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Clepsidra
FantasyAssim como as ampulhetas antigamente e os ponteiros de hoje em dia, Clepsidra marca a era de uma antiga rixa, as previas de uma guerra. O tempo está escorrendo. Will é um adolescente aparentemente comum, que vive com o pai, o Reverendo Cicero nu...