Capítulo 4

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Ela afastou-se o mais longe possível quando Kai fechou a porta. Seu coração batia forte e as mãos estavam suadas. Queria ficar o mais longe possível do homem que a machucou mais que qualquer um.

Kai olhava tudo ao seu redor e pela cara dele, Bonnie apostava que ele estava achando aquele lugar totalmente inadequado e inóspito, afinal, a sala/cozinha com suas paredes desbotadas e os móveis velhos em nada se parecia com os espetaculares e modernos imóveis que Kai frequentou durante toda a vida. Ele parou com sua análise minuciosa e focou o olhar estupefato na barriga de Bonnie.

"Você está grávida." Havia emoção e dor no rosto e na voz de Kai.

"O que... o que está fazendo aqui?" Perguntou em um fio de voz. Quando pensara que nunca mais o veria frente a frente novamente, Kai surgia como se fosse uma assombração para bagunçar ainda mais a sua já tão complicada vida. O que ele queria afinal? Machucá-la ainda mais?

Sentia os olhos ardendo e piscou algumas vezes. Não choraria na frente daquele homem cruel.

"Eu..." Ele respirou fundo e passou a mão nos cabelos, tornando-os ainda mais bagunçados, o que fez Bonnie se lembrar de como ele acordava todas manhãs. Repreendeu-se. "Por que não me contou sobre a gravidez? Por que passou esse tempo todo passando necessidade se...?"

"Teria acreditado que esse filho era seu? Não o teria chamado de bastardo e o desprezado como se fosse um lixo?" Ela o cortou. "Você me chamou de vagabunda e interesseira, mandou-me embora... Não me deu o benefício da dúvida. Então eu o procuraria para que? Para ser humilhada mais uma vez? Para que você chamasse meu filho de bastardo e me mandasse procurar o verdadeiro pai dele? Isso se eu soubesse quem seria."

Cada palavra era como um tapa na cara. Ela falava com tanta calma, que em nada parecia com seu interior quebrado.

"Bonnie..." Kai suplicou.

"Se está aqui, presumo que descobriu a única verdade existente." Bonnie resolveu ir direto ao assunto, quanto antes Kai falasse, mais rápido ele iria embora e a deixaria em paz.

"Bonnie... eu... nem sei o que falar. Passei o dia ensaiando o que deveria lhe dizer, mas nada parece ser o suficiente. Tudo perdeu o sentido." Ele tinha os olhos, atormentados, fixos na barriga dela. "Qualquer um na minha situação teria feito o mesmo. Ver aquelas fotos me destruiu. Eu não pensei em mais nada do que fazê-la sofrer como eu estava sofrendo."

Bonnie o conhecia o suficientemente bem para saber que Kai estava se amaldiçoando, torturando-se. Ele era duro demais consigo mesmo e buscava sempre fazer o que julgava certo. Pena que seu senso de justiça era falho como o de todos os seres humanos.

"Sinto tanto, Bonnie. Nada do que eu diga será o suficiente para apagar o que fiz e disse." Ele deu um passo para frente e Bonnie pode sentir o cheiro dele, o que aumentou ainda mais a dor da saudade. Manteve-se firme no lugar, com os braços cruzados sob os seios. "Sinto-me sem chão, completamente perdido desde que você saiu de minha vida e tudo piorou quando Nora escreveu uma carta confessando a verdade..."

"Então ela fez isso?" Indagou sarcástica e continuou. "Estou surpresa que Nora tenha sido capaz de um ato tão... nobre." O veneno escorria de sua voz, mas ela não se importava. "O que lhe digo não vale nada, mas basta outra pessoa lhe contar meia dúzia de palavras para que você acredite ser a verdade absoluta. Você é patético, Parker."

"Quando vi aquelas malditas fotos fiquei louco. Como se sentiria se fosse o contrário, se fosse eu naquela foto beijando outra mulher?" Kai falava baixo, porém com firmeza.

"Eu não sei o que faria. Cada ser humano tem uma reação diferente do outro. Mas eu sei bem o que senti quando vi suas fotos aos beijos e sorrisos com a perfeita Caroline. A mulher ideal para um homem na sua posição." Bonnie engoliu o bolo em sua garganta e respirou fundo. Falar aquilo em voz alta doía, porém, também libertava. "Você não confiou em mim. A sua desconfiança destruiu a confiança cega que eu tinha em você." Mal podia reconhecer  a si própria, aquela calma era atípica dela. "Você jamais me amou de verdade, Parker, fui apenas um brinquedinho diferente e fácil que surgiu em sua vida. Naquele dia você destruiu o sentimento mais bonito que tinha em mim, quando mais precisei de seu apoio e carinho, você me abandonou. As suas palavras ficaram gravadas a fogo em meu coração." Viu quando Kai fechou os olhos com força, o rosto cheio de dor, mas nada se comparava ao que ela vinha sentindo nos últimos meses. "Você me chamou de vagabunda oportunista e eu disse que quando descobrisse a verdade não deveria me procurar."

"Sei muito bem o que falei naquele dia." Kai sorriu com amargura. "Foram palavras ditas da boca pra fora, na hora da raiva..."

"Não. Você disse exatamente o que pensava sobre sim naquele momento." Bonnie respirou fundo, sentiu a vista embaçar, o que fez com que fechasse os olhos.

"O que você tem?" Kai segurou nos braços dela. "Você está gelada. Está sentindo algo, Bonnie? Por favor, me fala."

"Preciso me sentar. Leve-me até a cama, por favor." Kai a pegou nos braços e Bonnie não teve forças para reclamar. "Pegue um copo de água e a cartela de comprimidos que está sobre a geladeira."

Bonnie não se atreveu a abrir os olhos. Estava tonta e enjoada, com certeza eram resultados daquela visita surpresa. Precisava se acalmar pelo bem do bebê. Não podia ter aqueles surtos de emoções.

"Pegue." Kai colocou o pequeno comprimido na boca dela e a ajudou a tomar a água. Ela não negou a ajuda, o mais importante naquele momento era seu grãozinho. "Está se sentindo melhor?" Ele perguntou após alguns minutos de silêncio e passou a mão sobre a testa molhada de suor frio. "Ainda está gelada. Quer que eu a leve ao hospital?" Era evidente a preocupação e desespero dele.

Ele colocou a mão sobre a barriga de Bonnie, o que a fez abrir os olhos rapidamente e se afastar do contato, que tanto a machucava.

"Não me toque!" Exigiu. "Eu quero que vá embora e me deixe em paz." Pediu com mais calma.

"Não posso simplesmente ir e deixá-los assim." Kai protestou. "Vamos para casa, Bonnie. Você não pode ficar nesse... nesse lugar... Não lhe faz bem."

"A minha casa é essa." Pelo menos enquanto eu puder pagar o aluguel, completou em pensamento. "Não vou a lugar nenhum com você, Parker. Se está preocupado com meu bem-estar, por favor, vá embora. Eu não quero mais conversar contigo. Preciso de paz e com você por perto só consigo ficar mais nervosa."

"Tudo bem. Pelo bem dos dois." Ele se levantou e ficou parado ao lado da cama de solteiro. "Vou deixá-la descansar. Mas voltarei, Bonnie. Não vou desistir de você e de nosso filho." Ela desviou o olhar para os pés inchados. "Não vou deixá-los mais viver nessas condições, se podem ter tudo do bom e do melhor."

"Não estou interessada em seu dinheiro." Bonnie falou com frieza e desprezo, lembrando-se das acusações dele. "Sua única obrigação é com meu filho. Não estou incluída no pacote."

"Eu voltarei, Bonnie."

Ele lhe deu as costas e saiu rapidamente. Bonnie só respirou aliviada ao ouvir a porta da sala bater. Somente naquela hora deixou as lágrimas caírem, abraçou o travesseiro com força e pensou no quanto o mundo era cruel e injusto com ela. O que tinha feito de tão ruim para sofrer tanto? Por que não merecia ser feliz como tantas outras pessoas?

"O que houve, Bonnie?" A voz de Elena chegou abafada aos seus ouvidos. Abriu os olhos e viu a amiga parada ao lado da cama, mirando-a com preocupação. "Está sentindo alguma dor?"

Bonnie balançou a cabeça em negação.

"Kai... ele... esteve aqui. Ele... descobriu a... verdade." Disse entre soluços quando Elena a abraçou. "Dói tanto. Se... ele tivesse con... fiado em mim..."

"Calma, amiga. Pense no bebê. Esse nervosismo só te faz mal." Elena afagou seus cabelos. "Já tomou o remédio para a pressão?" Bonnie confirmou, respirando várias vezes, procurando se acalmar. "Vou dormir com você essa noite."

"Mas e sua mãe? Além do mais, onde você dormiria?"

"Matt pode tomar conta da mamãe e do Jeremy essa noite." Elena colocou-se de pé. "Vou trazer um colchonete e colocar aqui ao lado da cama. Vamos tomar um chá delicioso de camomila com uns biscoitos de nata que a dona Kim mandou para a minha fêmea prenha."

"Vai acordar toda dolorida e ainda terá que trabalhar o dia inteiro em pé." Bonnie tentou convencer a amiga mesmo sabendo que era uma causa perdida. "Ficarei bem, Elena."

"Sem mais discussões, Bonnie! Vou dormir aqui e ponto. Que espécie de amiga eu seria se a deixasse sozinha? E se passar mal durante a noite? Lembre-se que não tem nem celular para ligar pedindo socorro no meio da noite."

"Tudo bem." Deu-se por vencida, pois quando Elena metia algo na cabeça, ninguém tirava.




Continua...

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