VI. Belong

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Maio

Nathan olhava de um lado ao outro sem saber exatamente o que pensar.

A Dra. Lisa Clark havia pedido que ele se retirasse da parte interna da sala de interrogatório – a parte em que se comunicava com Lucca. Não havia tido a chance de dizer tudo o que desejava ao garoto, mas obedecera ao perceber a alteração da mulher, do xerife e das duas outras pessoas que se fizeram presentes enquanto Nathan não vira. Apesar de irritadiça, a psicóloga havia dirigido um sorriso amigável na direção do garoto antes de dizer algo a ele e se retirar também da sala. O motivo da irritação não era nada relacionado à Nathan e sim, ao pessoal com o qual ela aceitara trabalhar. A unidade de I.E.C.

Nathan não precisou pensar muito para saber que os dois agentes – claramente eram agentes – faziam parte da equipe de Investigações Criminais Específicas. Eles haviam chegado antes do previsto. Haviam chegado e levariam Lucca com eles. O médico precisou inspirar fundo para não deixar a sensação ruim em sua boca espalhar pelo resto de seu corpo.

O homem e a mulher vestidos em roupas igualmente sociais que a Dra. Lisa, ambos com crachás envoltos no pescoço, tinham a postura rígida. Os crachás anunciavam ambos os nomes: Luke Hemming e Grace Collins. A diferença entre eles e a psicóloga é que as roupas sociais dos dois eram uniformes e no lado esquerdo do peito de cada um, haviam distintivos. Os dois tinham a expressão séria, a mulher morena com os olhos atentos e o homem alto e robusto, com o rosto severo.

— Eu permiti que ele entrasse — prontificou-se a psicóloga, referindo-se à Nathan. Aproximou-se do mesmo ao passo que o xerife se pronunciava também:

Eu permiti que ele entrasse — falou Gerard de forma irritada, relanceando Lisa. — Em poucos minutos, ele consegue mais progresso com o garoto do que vocês conseguiriam em meses — falou, apontando com um gesto vago em direção à Nathan.

O motivo pelo qual Lisa sentira-se na obrigação de atrapalhar o óbvio progresso que o médico estava obtendo com o garoto eram os dois agentes presentes no cômodo. Chegaram antes do previsto e não ficaram nada felizes ao ver que o garoto dividia uma sala sozinho com uma pessoa que não era da equipe.

— Com todo o respeito, xerife, o caso pertence à nossa unidade agora — falou a mulher uniformizada pela primeira vez. — Você não tem direito algum de "permitir" nada. E você — dirigiu a palavra ao médico —, devia se retirar agora mesmo. Não devia estar aqui.

Antes que mais alguém falasse, Hemming pronunciou-se em junção da parceira de equipe:

— Não interessa se ele encontrou o garoto ou não. Isto não é mais departamento da polícia local. O menino não tem registro de identidade, o que já é crime, e ainda aparece do nada agindo como um animal. — A última frase de Hemming fez o corpo de Nathan tremer de irritação. — Ninguém pode interagir com ele sem a nossa permissão até descobrirmos o que diabos está acontecendo aqui!

A doutora formada não se importava com o fato de pertencer à unidade da I.E.C se eles não tinham o mínimo de tato com relação ao garoto que provavelmente surgira a partir de uma série de eventos traumáticos. Lisa sabia que policiais como Hemming e Collins tinham a tendência de passar por cima de toda e qualquer pessoa para concluir mais uma investigação e conseguir os méritos por isto. Sabia que o motivo pelo qual o delegado a pôs junto dos dois agentes prepotentes era porque se ela estivesse abaixo deles, eles passariam por cima dela. E, consequentemente, por cima de Lucca.

— Ninguém pode interagir com ele sem a minha permissão — interrompeu a psicóloga, cruzando os braços. — Lucca não é um animal. É um ser humano e deve ser tratado como tal. Até onde sabemos, ele pode ter sido vítima de abuso infantil, pode ter sido abandonado, ferido física e psicologicamente. Até que os resultados do exame de sangue saia, não podemos saber nem ao menos se ele tem alguma doença grave. Lucca é um ser humano e ele está sozinho — exaltou-se Lisa, apontando com um gesto vago para o outro lado do vidro. — Eu estou pouco me fodendo se vocês são da Polícia Federal. Eu fui contratada pelo Delegado do Estado e eu digo quem deve interagir com o garoto e quem não. Vocês não conseguirão coisa alguma sem as informações que Lucca nos fornecer e ele não fornecerá informação alguma sem um acompanhamento psicológico. Tampouco conseguirão progresso algum na investigação se eu não permitir que o consigam. Está claro?

O silêncio não durou muito até ser cortado pela voz de Grace Collins, a agente de cabelos escuros e olhos claros.

— O delegado nos deixou no comando da investigação — falou, irritada. Lisa sorriu com escárnio.

— O delegado deixou nós três no comando — esclareceu ela, erguendo uma das sobrancelhas. — A diferença é que, se eu não estiver acompanhando Lucca no processo, vocês acabarão por causar mais dano à ele do que já foi causado.

Hemming aproximou-se como um felino, as sobrancelhas grossas erguidas.

— Ele pode ser um garotinho inofensivo e traumatizado tanto quanto pode ser um criminoso ou um exilado — disse ele, em tom baixo e perigoso. — Você já pensou nisto, doutora? — Pronunciou a última palavra com deboche.

Nathan franziu o cenho, imaginando que se a pergunta tivesse sido dirigida à ele, a resposta certamente seria "não". Não havia pensado em nenhuma outra possibilidade além da óbvia: Lucca era alguém que necessitava proteção, e não alguém que as pessoas necessitavam proteção contra.

— É meu dever pensar em todas as possibilidades — declarou Lisa, tão ou mais ofendida que Nathan ficara com a acusação. — Também é meu dever agir apenas quando eu tiver todos os fatos. E, caso não tenha ficado óbvio, eu ainda não tenho todos os fatos — disse, erguendo uma das sobrancelhas com altivez. — Devo promover o bem-estar aos meus pacientes. E Lucca é meu paciente agora.

O tom sombrio de suas últimas palavras calou todos os outros presentes na sala.

Os minutos que se seguiram foram como um borrão para Nathan, que foi o primeiro a se pronunciar dizendo que se retiraria sem problemas. A psicóloga, pela qual Nathan nutrira certo carinho ao ver que estava disposta a cuidar de Lucca, insistiu para que ficasse. O médico, no entanto, disse que tinhas compromissos para com o hospital em que trabalha, o que era verdade, e saiu desnorteado logo em seguida. Não antes, entretanto, de pousar os olhos no garoto mais uma vez atrás do vidro.

Os agentes apressaram o pessoal da delegacia, o xerife Gerard junto, para ajeitar a papelada necessária para a partida do garoto. Lisa comunicou Lucca com relação à partida rumo à Doubleville mais uma vez, sabendo que não obteria resposta alguma. Sabendo também que, minutos mais tarde, o mesmo garoto selvagem estaria se debatendo e gritando nos braços fortes dos dois agentes que trabalhavam com ela. Franziu os lábios, pensando que o delegado não poderia ser mais inconveniente do que fora ao contratar Hemming e Collins para trabalhar junto a si na investigação.

Tudo correu como a psicóloga imaginava que correria, com exceção dos olhos escuros de Lucca. Assim que fora praticamente arrastado para fora da sala mais uma vez, ele tomou certo tempo para disparar os olhos negros por toda a extensão da delegacia. A doutora soube imediatamente que ele estava procurando pelo médico. Sentiu o coração encolher dentro de si, se dando conta de que se deparava, uma vez mais, com a parte ruim do seu trabalho. Ao mesmo tempo, tomou a decisão que achava justa e que poria em prática assim que possível.

Ao observar, minutos antes, o médico interagir com o garoto, ficou surpresa ao ver as respostas positivas do último. Soube que jamais conseguiria esse tipo de conexão com Lucca, mesmo que conseguisse fazer com que ele confiasse em si. E soube, no mesmo instante, o que teria que fazer. Soube o que faria assim que os exames estivessem prontos e assim que eles estudassem o garoto o suficiente para descobrir até que ponto ele estava danificado. Assim que se descobrisse sua origem e o seu nível de conhecimento colegial. Assim que descobrisse se havia alguém na vida dele, e se havia sido abandonado.

Assim que tudo estivesse resolvido, sabia que traria Lucca de volta à Cherub Field, onde ele genuinamente parece pertencer. 

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