IX. Ser amado

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Setembro

Lisa Clark sustentava o olhar de selvagem de Lucca com determinação, com o intuito de demonstrar-lhe que não deixaria passar em branco – ou em silêncio – suas últimas proferidas perguntas. Já provara ao adolescente, como descobrira ser a partir do raios-X prontos, que ele podia confiar nela. Já havia posto em prática todas as etapas verbais e corporais usadas em vítimas de eventos traumáticos, com toda sua dedicação e esforço. Sabia que, se Lucca ainda se recusava a responder, é porque não queria responder.

— Não — murmurou Lucca mais uma vez ao perceber a insistência da mulher. O que tanto negava durante os últimos minutos eram as perguntas referentes à sua família, assunto que ainda estava por ser resolvido e aparentemente amargurava o garoto adolescente.

Lisa suspirou, tirando os braços apoiados na mesa para inclinar-se em direção à cadeira, encostando as costas na mesma. Relanceou o vidro espelhado da sala de investigações da imensa Delegacia de Doubleville com os olhos cismados, sabendo que atrás do mesmo estavam seus companheiros da I.E.C e o próprio delegado, antes de focar os mesmos em Lucca novamente.

Mais de quatro longos meses haviam se passado desde que Lucca fora transferido para Doubleville para o início da profunda investigação de sua aparição. Devido ao seu comportamento violento, a estadia na casa de Gloria Jensen, assistente social, tornara-se impossível nas primeiras semanas. Um quarto para o garoto fora improvisado em uma das salas vazias da grande delegacia neste meio tempo, até Lucca se acostumar com a presença de Gloria e, por fim, dormir na residência da mesma. Sua estadia com a assistente social ia completar três meses.

A doutora suspirou, os olhos azuis fixos nos negros à sua frente.

Lucca já não estava tão franzino como quando aparecera, no entanto, as roupas ainda eram compradas em um número maior devido ao seu desconforto com roupas justas. Os cabelos castanhos insistiam em crescer, apontando em todas as direções possíveis. Nem Lisa nem Gloria julgaram necessário cortar as madeixas onduladas do garoto depois de tanta coisa que ele passara a ter que fazer contra a própria vontade. Banhos, incluso.

Fora uma surpresa descobrir que, apesar de ainda ser um mistério, a idade de Lucca variava entre treze e dezesseis anos, como demonstrara o raio-X. Apesar disto, não houvera chegado à puberdade, talvez devido à desnutrição e às doenças sistêmicas.

Os exames de sangue demonstraram que, apesar de Lucca não ter nenhuma doença grave, as diversas inconstâncias em seu organismo poderiam gerá-las facilmente. Estava seriamente desnutrido e desidratado. Foram detectadas mais de um tipo de anemia, quedas da pressão arterial, mais de um tipo de intoxicação alimentar, tais como infecções dermatológicas e internas – que já estavam em tratamento, graças à assistência médica fornecida pela delegacia. O hospital em que o garoto havia sido levado dera as informações necessárias para que eles tentassem repor as vitaminas, proteínas, carboidratos e lipídios que faltavam em Lucca. O único nutriente em demasia no corpo magricela era a vitamina D, provinda das horas que ele devia ter passado no sol.

Ainda assim, era questionável o motivo pelo qual Lucca fora encontrado desnutrido e desidradato ao invés de morto. Ainda era um enigma a localidade da comida e bebida que mantivera Lucca vivo por tanto tempo.

— Lucca, você... Você quer voltar para onde estava? — Lisa obrigou-se a perguntar, observando as reações do menor. — Você quer retornar ao lugar que vivia antes?

— Com Sassenach — respondeu ele em um murmúrio desgostoso.

Lucca mencionara Sassenach mais vezes do que podia contar. Ficava muito agitado ao mencionar o amigo, a ponto de haver tentado escapar quatro vezes após a menção do nome do mesmo. Queria ir atrás dele, para protegê-lo, custasse o que custasse.

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