Um mês depois
Junho— Levando em consideração que não há qualquer indício da existência de Lucca e que ninguém veio procurar por ele, mesmo com seu retrato passando nas televisões de todo o mundo — ingadou Gerard, o semblante pensativo e os olhos desfocados —, eu diria que das duas, uma: Ou ele esteve sequestrado este tempo todo, talvez o que causou sérios distúrbios psicológicos nele, ou ele estava vivendo em alguma parte da floresta. — Apontou em direção às árvores um pouco mais adiante da cidade.
Gerard estava sentado no quintal da própria casa, desgastada pelo tempo, em um círculo de amigos. O céu estrelado, evidenciando que a noite houvera caído alguns minutos antes, estava quase completamente negro. A fogueira que havia acendido em seu jardim, ao lado da churrasqueira elétrica, queimava com intensidade os pedaços de madeira ali postos.
Era seu primeiro dia de folga depois de todo o furacão chamado Lucca, juntamente com mais alguns colegas de trabalho. Resolveu então fazer uma janta em sua casa, convidando alguns vizinhos também. Beberam, comeram e se divertiram à beça antes do quintal começar a esvaziar aos poucos.
A música havia cessado, talvez por algum problema no aparelho, mas ninguém se deu ao trabalho de perceber. Restaram Gerard e mais três companheiros, sentados um ao lado do outro, copos de cerveja na mão.
— Sozinho? — perguntou Bea, uma das policiais mais nova de seu time, estalando a língua com descaso. — Duvido muito.
— Sozinho, ou talvez não — continuou Gerard, tomando mais um gole da cerveja. — Talvez houvesse ou haja alguém. Talvez quem devia procurar por ele também vive recluso da sociedade, por isso não sabe de seu paradeiro. — Ergueu os ombros, piscando devagar.
— Não é possível — respondeu Tony, descrente. Em seguida, remendou, embaraçado: — Senhor. — Pigarreou, remexendo-se na cadeira. — As florestas já foram inspecionadas, senhor. Sem falar que, se um garoto esteve vivendo na floresta durante este tempo, alguém teria descoberto. E depois que ele apareceu e as florestas foram inspecionadas, se houvesse mais alguém por lá, teria sido descoberto também. Há guardas florestais, há famílias na cidade que ainda tem uma certa paixão por explorar as florestas, assim como por acampar.
— Também acho — concordou Bea, dando de ombros. — Para mim, o garoto esteve sequestrado este tempo todo. E se foi assim, eles não irão descobrir nada em Doubleville. Se ele foi sequestrado e mantido em cativeiro aqui, então o criminoso mora aqui. Levá-lo para o outro lado do Estado só porque não somos uma grande unidade policial não servirá de nada — completou, com certa amargura na voz.
— Não acho que seja tão simples — pronunciou-se pela primeira vez Robert, erguendo uma das sobrancelhas. Não era o policial mais atencioso, mas tinha alguns pontos a mais pela gama de inteligência. — Só porque o garoto foi encontrado aqui, não quer dizer que ele veio daqui. Somos uma cidade pequena, cercados de cidades pequenas. Ele pode ter vindo de qualquer lugar — explicou, erguendo os ombros.
— Com certeza — interveio Gerard, tomando o resto da cerveja em seu copo e largando-o na mesinha à sua frente com entusiasmo. — Quanto às florestas... Elas são muito extensas, ainda mais no nosso país. Ninguém vai tão longe para explorar, nem aqui na cidade, sem falar que há um limite. Ninguém pode ir tão longe — explicou, o tom entusiasmado ao passo que os pensamentos se desenrolavam —, é propriedade do governo. As florestas só foram inspecionadas para a investigação até o limite da nossa cidade. Pensem comigo — falou, chamando a atenção dos outros ao gesticular com as mãos. — Se ele estava nas florestas este tempo todo, ele podia estar tanto além do nosso limite ao norte, porque não é de nosso domínio, quanto para leste e oeste — explicou, apontando os dedos para retratar o que dizia —, porque também não são de nosso domínio. Temos Amoran à leste e temos Geneviel à oeste, e ambas têm seus próprios limites de território. E, sinceramente, vocês acham mesmo que os guardas florestais inspecionam os lugares que devem periodicamente? Meus ovos! — Estalou a língua, servindo-se de mais bebida.
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Lucca
Romance#Longlist do Wattys 2018. Lucca fora encontrado em estado deplorável, envolto por uma peculiaridade gritante, na casa onde Nathan crescera. Incapazes de sacar-lhe as informações necessárias para descobrir o porquê do garoto não possuir sequer uma...