XV. Inquietude

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O natal podia ter vários significados, para mais de uma religião, mesmo que boa parte das pessoas não soubessem do fato. Nathan não era o tipo de pessoa que frequentava igrejas ou orava antes de dormir, mas sempre levou o mesmo tipo de fé que sua família levava. Apesar de ser médico e acreditar fielmente na ciência, gostava de acreditar que a vida não podia ser só o que seus olhos eram capazes de enxergar.

Ao começar seu trabalho no Hospital Oak Tree no primeiro ano de sua residência, o internato, descobriu da pior maneira que o Natal tinha um significado diferente em seu local de trabalho. Significava algo parecido como "o buraco negro da morte". Acidentes, suicídios, homicídios e tentativas de ambos, e ataques de doenças tomavam a área de emergência.

Nestas datas, Nathan sentia certa amargura em seu peito pela profissão que escolhera.

— Hora da morte: seis e quarenta e dois. — Nathan retirou as luvas com agilidade, já de mau humor por declarar a oitava morte do dia. — Você — chamou o interno que não teve a chance de decorar o nome —, por favor, avise a família responsável.

Então, como um vulto irritado, saiu do cômodo em direção ao próximo paciente que chegava com um machado cravado em sua perna, gritando de dor. O médico sequer tinha tempo de tomar um ar ou chorar internamente antes que passasse para a próxima missão, mas achava melhor assim. Desta forma, não teria a chance de lamuriar o fato de estar cercado de dor e morte ao invés de estar na casa da família, cercado de amor.

— O que temos? — perguntou a Kellan, que empurrava a maca em direção à uma área menos lotada do hospital, com o uniforme sujo de sangue, ao lado de dois internos.

— Ryan Schmidt, trinta e três, esposa o atacou com um machado ao chegar em casa — explicou ele ao entrar em um cômodo próprio, obtendo uma sobrancelha arqueada de Nathan. — Traição e costumes bíblicos antigos — sussurrou ele ao inclinar-se para o moreno, fazendo-o sorrir.

— Eu vou matar aquela filha da puta! — gritou o paciente assim que Nathan pôs as mãos em sua perna para analisar a extensão do ferimento.

Com um suspiro, Nathan não pôde deixar de pensar que aquela seria uma longa noite.

Seu quarto ano de residência, que começou no meio do ano, estava sendo o mais cansativo de todos. Trabalhava cerca de noventa horas por semana, incluídos os turnos extras, fora o tempo que tinha que dedicar ao próprio estudo. E ainda por cima, neste ano havia superado Gus no tempo em que passava em Cherub Field, o que devia ser impossível. Apesar de sempre haver visitado a família desde que deixara sua cidade natal com seus dezessete anos, nos últimos meses havia dado um jeito de visitá-los ao menos uma vez por semana. Estava bastante claro para si – e para todos - que o fato se devia quase que completamente a Lucca. Tentava passar a maior parte do tempo perto do garoto, assim como perto da família, para auxiliá-los no desenvolvimento do mesmo.

No entanto, um maior número de visitas significava um maior número de viagens de três horas, ida e volta, o que resultava em não só um número escasso de tempo em seu próprio apartamento, como em um número inexistente de tempo livre.

Estava exausto como nunca houvera estado.

— Fim de semana então? — perguntou Abigail pelo telefone, um toque de dó pelo filho. Nathan confirmou, suspirando ao ouvir o som de sirene do lado de fora do hospital. — Você quer falar com Lucca?

— Mãe, Lucca não confia em telefones — lembrou Nathan, sorrindo pelo fato.

Havia tentado explicar como funcionavam os telefones, mas Lucca não entendera bulhufas de sua explicação. O médico, então, desistira da ideia em pouco tempo. Evitava deixar o smartphone perto de Lucca, porque imaginou que, se um telefone residencial o assustava, a touchscreen devia pô-lo em pânico total. Testara sua teoria uma última vez na semana passada, percebendo que Lucca encarara o telefone ao ouvir a voz de Nigel através dele como se o mesmo fosse atacá-lo e engoli-lo.

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