XXIX - Desvanecer

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Julho

Abigail estava sentada na mesa da cozinha, lendo calmamente um livro já amarelado sobre a adolescência. Havia comprado anos e anos antes, e sequer se lembrava se fora pensando em Nathaniel ou em Gustavus. Talvez, ainda, em Gabriel ou Edward. Agora o lia, com muita atenção, pensando em Lucca. A lasanha estava no forno, a mesa podia ser arrumada depois da comida estar pronta, e Nigel houvera saído para uma caminhada.

Ergueu os olhos para a porta que separava a cozinha do pátio traseiro da casa, quando Nathan entrou por ela, ofegante, bloqueando quase toda a luz de fora que passava por ela com sua altura. Abigail arqueou uma das sobrancelhas, deslizando o olhar desde a folha seca sobre os cabelos negros do filho, para a bochecha com uma enorme mancha negra, para as roupas amassadas e molhadas de suor, e por fim, para os pés descalços, que tinha certeza estarem imundos embaixo. Voltou os olhos para o rosto avermelhado de Nathaniel, e o sorriso travesso que ele deu.

Era como se tivesse duas crianças em casa novamente.

Nathan perdeu o sorriso, fazendo uma careta profunda, e apoiando ambas as mãos no joelho ao curvar o corpo.

— Estou morrendo — admitiu, respirando pesado. — Eu não sei como o garoto não cansa. As energias deste cachorro são infinitas — arfou, colocando a mão no peito.

Sassenach, como se tivesse ouvido lá de fora, latiu três vezes em resposta.

Abigail riu-se, voltando os olhos para o livro, ao balançar a cabeça. Em seguida, só ergueu uma das mãos para indicar a porta que ligava a cozinha com o restante da casa, sem desviar os olhos da leitura. Banho, foi o que o gesto significou, antes que o almoço se apronte. 

— Sim, senhora — respondeu ele, brincalhão. — Lucca! — chamou, e antes que o garoto tivesse a brilhante ideia de arrastá-lo uma segunda vez para brincar com Sassenach, o médico se perdeu casa adentro.

Abigail ergueu os olhos do livro uma segunda vez, mas os olhos azuis observavam uma figura quase a metade do tamanho da anterior. Mais diferenças haviam, como a pele escura, corpo esguio, cabelos como um ninho de passarinho, sem expressões exageradas como Nathan - que reforçavam que o médico quase morria mesmo - e olhos escuros. O estado era o mesmo: sujeira por todo o corpo, suor, manchas nos braços e pernas, e ainda por cima tinha os joelhos avermelhados. O peito não subia e descia com a dificuldade com que o de Nathan o fazia, mas para Abigail estava visível que o cansaço também estava presente ali.

A mulher já de idade voltou a ler o livro, e fez o mesmo gesto que houvera dirigido à Nathan. Banho. E fora igualmente atendida, trazendo um sorriso ao seu rosto.

No andar de cima, no quarto de Ed, onde geralmente ficavam as coisas do médico, Nathaniel checava as mensagens do celular, provindas de Jill. Ela mencionava que volveria a viajar por duas semanas, mas que gostaria de vê-lo quando retornasse.

Ele franziu o cenho, hesitando com o dedo em cima do teclado digital, ponderando sobre o que responder, quando uma segunda figura se fez presente na porta do quarto.

— O chuveiro não funciona.

A voz de Lucca o sobressaltou, mas ele sorriu assim que o encarou, jogando o celular na cama sem dar resposta.

— Não? — perguntou, confuso, ao largar a toalha jogada em seu ombro na cama também. — Vamos ver se eu consigo — chamou, passando por ele e chamando-o na direção do banheiro.

Resultou que o registro de água estava fechado, devido a uma arrumação na caixa pela parte da manhã, então Nathan desceu para resolver e subiu de novo, se sentindo um velho por não aguentar mais se movimentar.

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