XXIV. Conexão

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Abril

Quando deu a primeira mordida, só faltou Nathan subir em cima da mesa para alarmá-lo com tanta expectativa nos olhos cor de mel.

Gostou.

— Eu sabia que você ia gostar! — exclamou Nathan, com um sorriso de orelha a orelha, sem sequer importar-se em corrigir a discordância verbal do mais novo. — Escolhi todos os sabores pensando em você.

Lucca sempre havia sido uma pessoa difícil para conversar, para se vestir, para estudar, para fazer a higiene, para sair de casa e até mesmo para se deixar encostar. No entanto, Lucca nunca havia sido uma pessoa difícil para comer. Só lhe faltava comer os talheres e o próprio prato quando lhe alimentavam, e era difícil acreditar ao vê-lo tão delgado. Já era de se imaginar que a genética também estava agindo neste quesito, visto que Lucca felizmente já não era um garoto desnutrido.

Nathan optou por levá-lo até o Subway mais próximo de onde havia deixado o carro, e escolheu por Lucca o lanche enorme que ele segurava nas mãos. Depois da primeira mordida investigativa, não demorou para o jovem começar a atacar o grande sanduíche com vontade, recebendo um grande sorriso satisfeito e aprovativo do médico.

Quando adentraram no local, Lucca chamou muita atenção para si quando focavam a atenção nele. Enquanto Nathan fazia os pedidos, podiam ver os olhares dos funcionários começarem na cabeleira desparelha, descerem para as roupas largas e fora da moda, e pararem nas pantufas de dinossauro. Ao invés de Nathan sentir-se incomodado com as encaradas nem um pouco sutis de dois ou três, achou tudo muito divertido, devido à falta de interesse que Lucca tinha por ter a atenção em si ou não. Estava ocupado demais olhando para todos os lados, todas as pessoas e todos os aparelhos do local. Foi uma ação investigativa e básica, antes que focasse os olhos na comida e os mantesse ali até o momento de sentarem com seus devidos lanches.

De frente um para o outro, ocuparam suas bocas com os pedidos, só assim para Nathan parar de monologar. Observou o garoto em frente, concentrado no sanduíche, com carinho.

Lucca recusou-se a cobrir o pescoço com manta, então este estava desnudo. Usava uma camiseta grossa e um blusão de lã por cima dela, de cor acizentada, e uma calça de moletom da mesma cor, mas de um tom mais claro. Os cabelos, apesar de haver alguns fios curtos, outros lhe chegavam até o pescoço à amostra. Neste aspecto, ele parecia ter saído de um filme dos anos oitenta.

O rosto moreno portava uma feição concentrada, com as sobrancelhas, de um tom mais escuro que os cabelos, unidas; os olhos desviando do lanche para a janela ao lado e logo para o local onde estavam com frequência; e a boca toda suja de molho, assim como o queixo. Nas mãos, sobrepostos às cicatrizes pequenas e antigas, haviam alguns arranhões recentes de quando sempre dava um jeito de se machucar ao brincar com Sassenach.

— O que mais você quer fazer hoje? — perguntou o médico, assim que terminou de comer, sempre com os olhos amendoados por sobre Lucca.

Lucca, silencioso como sempre, apenas ergueu os ombros em um movimento desajeitado. Lambeu as pontas dos dedos, sujas de molho, e então empurrou a embalagem para frente. Havia terminado.

— Eu acho que você iria gostar de conhecer Kellan — comentou Nathan, com um sorriso de canto ao ponderar as opções. — Kellan, meu amigo, meu companheiro de trabalho no hospital — acrescentou, quando Lucca pareceu confuso com o nome não tão falado. Viu quando as sobrancelhas se ergueram, indicando que se recordara. — Lembra?

— Lembro — respondeu ele, com um aceno, antes de desviar novamente a atenção para a janela e todo o movimento por trás dela.

— Podemos marcar um almoço ou uma janta com ele amanhã — comentou, mais consigo mesmo do que com Lucca. O garoto focou os olhos no médico, se perguntando por que era tão importante conhecer o tal de Kellan. Mas a resposta veio em seguida: — Ele sempre quis te conhecer, sabe? Eu falo de você o tempo todo e ele ouve tudo em silêncio. — Riu, lembrando da mudança na expressão de Kellan de interessado para estupefato ao longo dos meses, ao passo que o que contava ao amigo passavam de questionamentos e indagações sobre Lucca para histórias eufóricas de, por exemplo, como ele escovou os dentes direito pela primeira vez. — É um bom amigo.

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