XXVII. Tudo

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Junho

A data do dia vinte e oito de junho estava marcada no calendário da cozinha com um coração vermelho ao lado. Chamava tanto a atenção que, ao adentrar na cozinha simplória, qualquer olhar se desviava para a geladeira e a cor vermelho vivo com diversos círculos naquele dia específico do mês. Era a data do nascimento de Simon, o segundo filho de Edward e Giselle, após a pequena Maggie.

Nigel e Abigail estavam morrendo de vontade de viajar para segurarem seu pequenino neto nos braços pela primeira vez, mas não ousaram verbalizar seus desejos. Nathan trabalhava em todo o fim de semana, e Gus, apesar de não fazer nada durante este, tinha aula na sexta e na segunda-feiras. E é claro que não havia maneira no mundo em que Lucca subisse em um avião para poderem ir até o outro lado do país.

Gustavus, no entanto, conhecia os pais na palma de sua mão, transparentes do jeito que eram. Se disponibilizou a passar os quatro dias de olho em Lucca para que os pais viajassem para a cidade do primogênito. Um ou dois dias que faltasse na faculdade não causariam dano algum, aliás, viriam a calhar. Ele precisava descansar sua beleza, brincou.

Nathaniel não ficou nem um pouco agradado. Torceu o nariz quando visitou uma semana antes da viagem, dizendo que Gus era uma péssima companhia para Lucca e até lembrou os pais das traquinagens que o caçula aprontava quando mais novo. Não pediria para que eles ficassem, é claro, mas sugeriu, indiretamente, que qualquer pessoa no mundo seria melhor companhia para Lucca do que o irmão. Gus apenas deixou-se rir, satisfeito, piscando um dos olhos para Lucca. Agora sim o garoto ia aprender a viver como se vive na idade dele, prometeu, em voz alta, para que o irmão mais velho ouvisse.

— Será como férias — afirmou Gus, assim que fechou a porta da frente após se despedir dos pais e deparar-se com Lucca ao seu lado.

Lucca gostava de Gus, embora não conseguisse se sentir totalmente à vontade com ele, como acontecia quando estava com Nathaniel. Talvez fosse aquele jeito pomposo e desregrado de Gustavus, e aquela maneira como andava pelo mundo, com o peito estufado, destemido. Era até um pouco engraçado, julgando por sua aparência, em pele pálida, corpo magro e roupas de super-heróis. Lucca não tinha o olhar clínico para perceber, mas qualquer um que passasse o olho por Gus perceberia que ele era um nerd assumido. Não o tipo de nerd repleto de acne, aparelho dentário e óculos de fundo de garrafa, não. Gus era agradável ao olhar, especialmente os olhos azuis que se destacavam no rosto sorridente. A nerdice era mais interna, incrustada em seu ser, além das camisetas da Marvel e as pulseiras de maconheiro que boiavam em seu pulso magro.

Não havia se passado sequer uma hora desde que os Walker's mais velhos partiram na aventura de conhecer o segundo neto quando o celular de Gus tocou. Os dois estavam sentados no sofá maior - Lucca aprendeu a deixar a poltrona de lado às vezes por um sinal de educação e sentar junto da visita -, assistindo à desenhos que cravaram a atenção dos dois na televisão. Gus pegou o smartphone e bastou uma olhada para que revirasse os olhos, recusasse a ligação e largasse o celular.

Lucca arqueou as sobrancelhas, curioso, chamando a atenção do mais velho.

— Ah, era o ancião do meu irmão — disse ele, referindo-se à Nathaniel. Gus gostava de dizer que Nathan era mais velho que Ed e Gabe, que eram, de fato, os mais velhos. — Quer apostar quanto que ele vai ligar de hora em hora? — Gargalhou, vendo que Lucca sorriu.

Geralmente o garoto indiano não entendia as brincadeiras de Gus e nem o telefone, envolvido nesta, mas desta vez compreendeu: Nathaniel era muito preocupado. Era sua mais pura natureza, da mesma forma como Lucca era desconfiado por tal.

Apesar de tudo, Lucca e Gus não tiveram dificuldade em se virar durante aqueles quatro dias. Gus sabia o básico da culinária, aprendera com a mãe antes de se mudar para Wingloush, e já sabia como lidar com Lucca. Sassenach também o dava um pouco de folga, já que o cachorro tomava um tanto do tempo do garoto para brincar.

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