Prólogo

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Brancas. Às vestes eram todas brancas e as faces dos cientistas estavam atormentadas, suas roupas assépticas, mas seus sentimentos em alvoroço, poeira. Era o grande dia de suas vidas, nas mãos pastas com anotações, gráficos, para que nada se perdesse nesse acontecimento. Os olhos vidrados assistiam o objetivo que os unirá há anos se tornar realidade. Eles, os filhos do conhecimento, sem deuses, sem mitos e religiões, confiantes apenas na ciência e na força do universo pariam com seus cérebros incrédulos um novo mundo.

Destacava - se entre eles uma mulher carregando uma expressão de absurda paz, ela já exibia às primeiras rugas que chegavam com os trinta e três anos de uma vida totalmente dedicada ao estudo da genética humana. Ela comandava os outros cientistas que seguiam as suas orientações de forma perfeita, cientes de que erros não eram tolerados e que seriam severamente punidos.

— Doutora! A barriga dela... — Um olhar e a fala do geneticista foi cortada. A doutora não expressou reação nenhuma, seu olhar pedia silêncio. A mulher parecia ser feita de aço inoxidável, fria como a maior geleira do mundo.

Ela tinha algumas olheiras, não vinha dormindo bem, o cabelo castanho-claro, levemente ondulado estava na altura do pescoço, sua pele pouco via o sol, estava pálida, magra, seu peso havia diminuído nos últimos meses, o que fazia o seu maxilar se destacar em seu rosto longo e fino. Seu olhar se mantinha compenetrado no trabalho que estava sendo executado. Os óculos de grau altíssimo, os olhos azuis, registravam um milagre científico, algo inimaginável.

A doutora aproximou-se do vidro que separava os cientistas observadores da sala de parto onde uma gestante gemia de dor enquanto dava à luz amparada por uma equipe médica. Os últimos nove meses foram de alta tensão, mesmo não acontecendo nada de anormal. A jovem gestante às vezes até estranhava a quietude daquilo que esperava dentro de si, do que colocaram em seu ventre.

Um dos obstetras pedia para que ela empurrasse com força, assim ela fazia aos berros parindo pela primeira vez.

- Estou com medo! – Ela chorou.

- Força. Se não iremos cortar!

- Não doutor, pelo amor de Deus! – Soluçava, sua voz saia pressa, ofegante.

- Agora! Obedeça! – A fúria do homem era assustadora. Ele nada se parecia com o bondoso doutor que recebeu a pobre coitada para uma entrevista e lhe deu a esperança de uma nova vida longe da solidão das ruas, orfanatos e lares temporários até a sua eterna morada a prisão por assassinato de um homem rico. Ela alegava legitima defesa, mas a acusação não teve piedade daquele olhar infantil de uma típica menina sotero politana com fome de uma chance para fazer tudo dar certo. Após a entrevista ela aceitou o que agora parecia ter sido um pacto com o demônio.

- Peguem a lamina!

- Socorro... – chorava a pobre jovem. A grande barriga estava rocha e se movia de forma grotesca. Os golpes pareciam dilacerar seus órgãos internos, as contrações a faziam por sangue pela boca. Engasgada não gritava mais. A agonia agora era silenciosa, apenas no olhar perdido de arrependimento.

A Doutora não piscava, sua respiração era lenta e pausada, mas por dentro ela sentia todas as contrações do parto, como que se de algum modo fosse ela quem estivesse dando à luz ao filho que nunca teve, a mulher sabia que era estéril e que jamais conceberia essa dádiva.

- Força – ela disse por entre os dentes. - Você consegue. Força... seja forte meu menino. Nasça. Eu estou te esperando meu filho. – Uma lagrima se formou, mas não caia. Iria secar, assim como passado que deixa apenas as lembranças que fingem ser liquidas, mas são solidas como os montes da Itália, onde era o seu lar. Quando menina vivia ao pé do pai, Lucciano Agnel, um homem considerado louco, pois acreditava fielmente que os seres humanos não estavam sozinhos no universo, que poderiam alcançar outros patamares e o homo sapiens deveria evoluir, não sofrer com doenças, poder viver mais, ou até mesmo ser imune a velhice. Todos riam dele, mas sua filha não permitia que lhe fizessem mal. Verena não era mais o lar daquela família e em um dia chuvoso Lucciano pegou suas duas meninas na calada da noite e levou para o porto.

- Morada nova bambinas. Um mundo novo, uma nova era. Maria estava confiante em seu pai, a caçula, Ana, apenas chorava, talvez pela perda recente e dolorosa da mãe.

- Um novo século bambinas, Maria minha filha, o século vinte será seu. Ninguém ira te parar meu amor. Eu sou apenas o mensageiro. Ela fará a obra, mas tua irmã, não deboches dela. Ela fará a parte dela também. Fiquem juntas. Se unam! – Foram as últimas palavras que aquele pai conseguiu dizer antes que a loucura o devorasse.

- Doutora! Permissão para cortar! – O devaneio foi cortado pelo geneticista que em punhos se preparava para abrir aquela jovem dos pés até cabeça caso fosse necessário.

- Força... - Maria sussurrou para si mesma com a mão no vidro embasado, os seus olhos brilharam quando a mulher começou a dar luz aquela criança, a cabeça apontou, lisa, sem nenhum fio de cabelo. Quando de súbito um grito estridente ecoou atormentando quase todas aquelas mulheres e homens.

A Doutora Maria Agnel sorriu. Tudo tinha mudado. A pobre jovem estava destruída, suas veias estavam secas, os olhos esbugalhados e inchados sangrando, os lábios e a pele secos e rachados. Seu último grito pareceu ter levado sua alma, assim como a de todos que estavam dentro daquela sala de parto, agora ao chão como múmias.

O recém-nascido, um menino albino, não estava chorando. Maria com passos firmes de uma mulher à frente de seu tempo abriu a porta que mudaria o mundo. Ela entrou na sala de parto sem nenhum medo, sentindo a mais perfeita paz reinando, então tomou aquele ser extraordinário no colo, era leve como um travesseiro de plumas, mas quente como um forno em brasas fazendo as palmas da mão criarem bolhas, mas ela não sentiu a dor, apenas escutou o coração do menino que batia freneticamente. Ela olhou aquela face tão serena do seu menino.

- Está tudo bem – Maria disse com a voz suave. Então o recém nascido sorriu e abriu os seus pequenos olhos vermelhos.

Vol. 1 Heróis do Amanhã - NOVA ERA   Onde histórias criam vida. Descubra agora