Cama macia. Quarto cheiroso. Barriga cheia. "Há que preço?". — pensava inquieta. Era impossível dormir. O quarto era só dela, mas Alice fez questão que Samuel dormisse ao seu lado. Ele dormia tão bem. Ela o queria acordar, para eles irem embora. Mas não dava. O Gigante se rendeu fácil, ele sempre fora assim, esperançoso, enquanto Alice envelhecia cinquenta anos de preocupações e medos o seu irmão continuava um meninão. A cama era tão macia.
"Droga" — subitamente acordou. Acabou dormindo, Samuel não estava do seu lado. Ela correu, passou pelo corredor, desceu as escadas e ouviu um barulho de risadas vindo da cozinha, ele estava lá,tomando café da manhã. Com os outros.
— Bom dia maninha. Vem comer.
— Eu não estou com fome. — mentiu.
— Vem logo. — insistiu Samuel. Na mesa tinha bolo, presunto e queijo, pão quentinho, sucos, leite com café, frutas, entre outras coisas que Alice nunca tinha comido. Ricardo e Kenji se deliciavam.
— Onde estão os outros? — perguntou Alice.
— Agnes está ajudando Sofia, ela teve pesadelos a noite toda. — disse Kendra. A mulher negra com seu belo sorriso, fez sinal para Alice se sentar. O olho dela parecia ter mudado de cor, antes era castanho e agora lilás.
— Eu vou escovar os dentes primeiro.Depois do café da manhã os cinco jovens foram reunidos em um salão. Agnes e César os esperavam. Alice olhava para Sofia sem conseguir acreditar que aquela menina poderia ter feito um estrago como aquela catástrofe. Alice media a força de Sofia e sentia vontade de rir, ainda não conseguia mapear a jovem por completo, mas o que acontecerá era surreal.
— Como disse ontem, vocês não estão presos. Estão protegidos, enquanto estiverem dentro dessa casa estão sob a minha responsabilidade. Eu consegui tempo, para que a gente consiga mudar os planos do governo.
— dizia Agnes. Alice não conseguia tirar os olhos dela, tão elegante. Soberana.
— Querem exterminar a gente. — disse o menino Kenji.
— Sim.
— E eles podem? — questionou Ricardo.
— Todos que estão no complexo, cumprem algum tipo de pena e isso já é suficiente para serem condenados a morte.
— Já começaram. — disse Alice. — Estão nos caçando como bichos. Eu e meu irmão ficamos dias na floresta.
— Mataram crianças. — completou Samuel.
— Existem grupos extremistas que são movidos pelo ódio. — disse César. O homem estava uniformizado como no dia anterior. Sua roupa impecável. Alice sentiu raiva dele.
— Como você. — disse.
— Como assim? — respondeu César.
— Você também tem motivos pra ter ódio. — Alice causou um mal estar, mas não se importou com isso. O seu poder a fazia sentir as pessoas o tempo todo, raiva, medo, amor, ódio. Ninguém podia mentir pra ela.
— Sim eu tenho muito ódio. De gente que se aproveita de embriões para criar armas. Você não tem culpa de nada.
— Ninguém tem culpa. Nem mesmo aqueles que nos criaram. — interrompeu Agnes. — A única coisa que importa é conseguir manter o equilíbrio. Exterminar os ExtraOrdinárioS não vai melhorar mundo. O universo é muito maior do que nós podemos imaginar. — Alice sentiu pela primeira vez tocada por aquelas palavras. Eram verdadeiras.
— Vocês são a única esperança do mundo. — quando Agnes disse essas palavras Ricardo gargalhou.
— Desculpe, a comida estava gostava e eu dormi muito bem. Mas tem uma coisa que não me desse. Como uma coisa como eu, pode ser esperança pra alguma coisa? Como eu posso ser um herói? — ao mesmo tempo que Ricardo gargalhava seus olhos angustiados choravam, até que seus soluços o interromperam.
— Você consegue, tudo aquilo que quiser. — disse Agnes amável.
— Estou condenado.
— Faça. Apenas faça, se permita uma vez na vida a ser melhor do que jamais fora antes — dizia a mulher. Alice não entendia mais nada. Não queria entender. Sentiu um nó na garganta e saiu daquela sala para tomar um ar fresco.— Vão fazer uma entrevista, depois começa o treinamento. — dizia Samuel de encontro com a irmã. As árvores estavam tão verdes e despreocupadas com toda aquela bagunça do mundo. Alice quis ser uma árvore, mas se tocou que mesmo assim poderia vir um homem qualquer e a derrubar. Nada nesse mundo estava plenamente seguro.
— Que? Que se tá falando? Meu vamo embora daqui! — gritou.
— Não temos mais que fugir.
— Você não sabe o que tá falando!
— Calma.
— Vamos fazer um acordo. — os olhos azuis dos irmãos se encontraram.
— Não tem acordo. Eu confio nela.
— Confia? E agora?
— Fica calma. — Samuel abraçou Alice. — Confia. — disse com ela grudada em seu peito.— Eram apenas eu e meu pai. — quando Alice voltou pra sala, Sofia estava sendo entrevistada. "Na frente de todo mundo" — pensou desconfortável.
— Alguma lembrança de sua mãe. — perguntou César.
— Um acidente. Mas eu era muito pequena, meu pai dizia que ela morreu. Era mentira.
— Porquê ele mentia?
— Pra me proteger.Assim que Sofia terminou ficou claro que era a vez de Alice. Se sentou na frente de César e Agnes que organizava as outras fichas de cabeça baixa.
— Nós temos pouca informação sobre vocês. Por isso precisamos que preencha alguns formulários e também vamos fazer algumas perguntas. Tudo bem? — questionou César. — o questionário era enfadonho, mas Alice não resistiu, começou a responder. Notou o gravador ligado.
— Manda ver. Pode perguntar.
— Sabe alguma informação sobre seus pais?
— Sou órfã. Cresci em um orfanato.
— Temos o registro de uma adoção, e depois desapareceram. Até hoje.
— Éh...
— Os seus poderes despertaram aos sete anos. Por isso desapareceu?
— Vai se fuder com suas perguntas de merda! — A garota levantou e encarou o irmão. Ele se aproximou e segurou sua mão.
— Chega! — dizia pra ele. — Esse é o meu limite.
— Tudo bem. Confia. — se abraçaram.
— Alice você não precisa responder o que não quiser. Melhor preencher apenas o questionário, é menos invasivo. — disse César.A tarde os jovens foram levados para conhecer a quadra de treinamento. O chão de concreto, as paredes metálicas. Era o lugar mais apropriado para se treinar ExtraOrdináriaS.
— Eu vou acompanhar vocês, vamos entender os seus poderes e aprender como usá-los da melhor maneira possível. Pra isso precisam de disciplina. A partir de amanhã receberam treinamento militar. Alice estava mais calma naquele fim de tarde que se aproximava. Mais um dia se fora. Ela estava livre mais ao mesmo tempo estava presa por aquilo que era. Agnes precisava dos jovens para provar que os E.O.S podem ser úteis. Estava ficando tudo mais claro. Como César disse mais cedo, eram armas, acontece que agora seriam usados para o bem. Se é que existe bem.Alice sonhou naquela noite. Era tão pequena e já sofria tanto. O seu coração estava cheio de medo, desconfiança, raiva e ódio. Samuel estava desesperado tentando falar algo inaudível. Estavam em baixo de um viaduto. Chovia e ventava forte, ele estava encharcado. Dava socos no escudo que Alice projetava para si mesma. Encolhida em posição fetal. "Fala comigo. Confia". Era o que o pequeno Gigante dizia entre os soluços e lágrimas que se misturavam com a chuva e o barulho dos trovões.
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Vol. 1 Heróis do Amanhã - NOVA ERA
ActionO mundo mudou. Cientistas em laboratório alteram o código genético fazendo nascer pessoas ExtraOrdináriaS. A humanidade tem medo do desconhecido e aquilo que temem quererem destruir. A Oráculo, Agnes Agnel prevê um futuro desastroso, mas também vê...