Luiz/ Vórtex

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"Bestas feras caminham na terra. Filhos e filhas do demônio trazendo a bandeira do apocalipse. Todos eles queimarão. Impuros. Corpos sujos. Vidas imundas. Fogo e enxofre cairá do céu para punir os culpados e lhes dá a sentença da morte por terem nascido. Por serem criação inominável do homem".  — o discurso do pastor estava gravado em cada neurônio de Luíz. Afinal ele era o filho do pastor e deveria aprender desde cedo o ofício da família. Em nome do senhor. Amém.

"Não se muda aquilo que você é" — pensou Luiz enquanto observava o irmão mais novo. Dois E.O.S sendo visto como marginais pela sociedade desde que nasceram.  Lucas era mais escuro que Luiz. Isso fazia os dois serem tratados de forma bem diferente. Os parentes amavam encher Luiz de presentes e convites para passeios. Os hipócritas diziam que Lucas era muito teimoso. Mas sempre fora o contrário. Lucas era bonzinho. Só que não queriam levar um preto pra um restaurante caro, ou um passeio no clube da cidade. A família era totalmente contra o relacionamento do comerciante branco com a mulher negra, mesmo ela sendo uma mulher estudada, trabalhadora. Parecia que nada adiantava quando se tinha a pele preta.

Ainda eram muito novos quando suas vidas mudaram para sempre. Luiz entrava na adolescência e seu irmão ainda curtia a infância. Foi tudo tão rápido. Seu pai espancava a sua mãe. Momentos depois ele estava morto. Fugir era a única saída. Mas o Complexo os pegou primeiro. Luiz nunca mais viu a sua mãe. Nem queria ver. Não sabe se ela conseguiria olhar nos olhos do filho assassino do próprio pai.

— Não pense besteiras. — disse Lucas com sua voz calma. O jovem telepata tinha um equilíbrio incrível.

— Saia da minha cabeça, moleque. — brincou Luiz.

— É quase impossível.

— Você me perdoa!

— Já falamos disso.

— Eu acabei com sua vida cara! Matei o nosso pai, nos coloquei em um inferno. Pensei que a gente ia morrer naquele lugar. — Luiz caminhava de um lado pro outro indignado.

— Esquece o passado. Você tem que seguir em frente.

— Esse é o meu mal. Me prendo ao passado.

— Então muda. — Lucas tocou no ombro do irmão.

— Como você consegue ser assim?

— Nossos signos são diferentes. — Lucas riu.

— Que seja. Você é foda, cara. — os irmãos se abraçaram. As lutas eram travadas juntas. Mas cada um sentia as dores de uma forma completamente diferente. Luiz se tele transportava para onde quissesse. Menos para longe dos tormentos. Já Lucas ouvia todos os pensamentos dos outros, controlava suas mentes. Mas não conseguia pensar em uma forma de ajudar o irmão, por que também tinha as suas próprias dores que não deixava transparecer.

O som de Manda se aproximando era inegável. A mulher vespa ouvia a conversa dos irmãos e despertará suas próprias lembranças. Os grandes olhos negros não mostravam emoção. A pele esverdeada não ficava rubra, a postura com a armadura óssea escondia a mulher por trás de tudo isso. Mas ela estava lá. Olhou para os meninos por um tempo.

— A vida é fudida. — disse com sua voz aguda. — Eu já nasci, assim. Podre. Meu pai disse que minha mãe morreu depois de parir eu e meus três irmãos. Eramos uma desgraça. Meu pai nos trancou a infância toda em um buraco embaixo de nossa casa. Cinco crianças sem amor. Sem carinhos. Sendo enviadas pelo próprio pai. A gente não era assim. Como sou hoje. Vocês sabem que os inseto são larva primeiro. Tínhamos a pele branca. Minhas duas irmãs tinham olhos azuis. Eu achava lindo. O meu irmão era maior que nós. Nosso pai dava lixo pra gente comer. Quando a gente pedia pra sair do buraco eles nos espancava. Batia sem dó. Eu sei o que é uma vida fudida. Um dia quando estávamos entrando na adolescência fizemos cada um casulo. Eu nem sabia o que tava fazendo. Era instinto. Um dia sai de lá com asas. Senti um cheiro de queimado. — Manda deu uma pausa. Lágrimas escorriam de seus olhos. — Meus irmãos estavam queimando. Ele os matou. Disse que éramos fruto do demônio. Quando ele percebeu que eu tinha saído do casulo tentou me agarrar. Cuspi veneno na cara dele. Taquei fogo naquela casa. Voei pra floresta. Ficaria lá pra sempre se os malditos não tivessem me pegado. — Manda olhou para Luiz e Lucas de um jeito que não tinha olhado ainda. Nem eles para ela. De uma forma humana.

— Sinto muito. — disse Lucas.

— Não sinta. Vocês não tem que sentir. Somos ExtraOrdinárioS e esses filhos da puta vão sentir a nossa irá! O nosso poder. A gente esmagar eles. — Manda riu. — Que irônico. Um inseto esmagando um homem.

— Nenhum dos seus ascendentes eram como a gente? — perguntou Luiz. — Por que eu sabia que minha mãe tinha algo com as plantas. O jardim dela sempre estava tão lindo. Crescia tão rápido. Diziam que era um dom.

— Eu não sei. Minha mãe morreu. Não sei se era ela ou os pais dela. O do filho da puta do meu pai. Nunca soube. — Manda bateu as asas. — Chega de papo furado. — disse alçando vou.

— As vezes as pessoas só querem desabafar. — disse Lucas. Acenando com a cabeça Luiz concordou.

A noite avançava. Não tinha energia elétrica na galeria e algumas velas estavam acessas. Velas para Luiz e Lucas, os outros sabiam ver no escuro. Estavam todos preparados. Ariana os alertará no começo da tarde que estavam sendo vigiados, mas não pelo Complexo, não era o exército e sim um grupo de homens e mulheres usando armas para caçar bruxas.

A velha cansada não se levantou da cama, apenas se escondeu nas sombras, parecia invisível. Mas estava lá a espreita e pronta pra atacar. Croco mergulhava no fundo do pântano que se formara dentro da galeria. Appis silenciosa estava grudada no teto abobado. E Luiz permanecia ao lado do irmão. Lucas parecia meio assustado, ele não gostava de brigas. Não entendia que aquilo era questão de sobrevivência.

- Quer voltar pro Complexo? - perguntou Luiz.

- Não. - respondeu Lucas com a voz tremendo.

- Então não vacila. Sacou?

- Saquei.

Todos tinham uma história para contar. Todos se questionavam se eram gente. Tinham medo do mundo. Por isso dominariam o mundo. Seriam deuses e aqueles que os perseguiam seriam perseguidos e mortos. O homem era cruel, mas os ExtraOrdinárioS eram a própria noção de Deus e o diabo.

Os exterminadores jogaram uma bomba de gás. Mas nada aconteceu. Logo em seguida jogaram outra, nas sombras e nada. Decidiram então entrar na galeria, um atrás do outro, com armas em punho. Munição pesada. Eram cerca de trinta. Trinta ratos em uma armadilha.

Croco nadando velozmente abraçou o primeiro homem quebrando seus ossos e o afundando no pântano. Não deu tempo do homem gritar, talvez nem saber o que acabará com a sua vida. Começaram a atirar na água.

Appis desceu rápido e agarrou outro exterminador. Voou com ele para o teto esse gritava desesperado enquanto a mulher vespa o enchia de veneno. Os tiros pro teto não acertavam nada e logo depois uma carcaça humana despencou. O que era antes um rosto agora estava completamente deformado.

- Agora. - comandou Luiz ao irmão.

Os olhos de Lucas se concentraram em um homem. Mário, estava determinado a matar todos os que estivessem na galeria. Era casado e tinha três filhos. Acreditava que exterminar os EOS era a única forma de limpar o mundo, depois os gays e negros também. O homem acreditava na supremacia branca. Ainda mente dele, Lucas o viu em uma igreja, matando crianças. "Não" - pensou com lágrimas nos olhos. "Chega" - pensou. "Mate todos! Mate!" - colocava Lucas os pensamentos na cabeça do homem que se virou para o colega de equipe e atirou. Abriu fogo contra todos. Lucas o controlava com facilidade.

Vórtex aproveitou a distração para entrar em um portal e quebrar alguns pescoços. Rápido e eficaz. Logo um a um dos exterminadores eram exterminados.  Um deles distraído se aproximou demais das sombras. Vórtex não conteve a risada quando as sombras engoliram o pobre infeliz. O barulhos dos ossos sendo triturados eram música.

— Lá, lá, lá, lá. — cantava Vórtex entrando em seus portais e surpreendendo suas vítimas com golpes fatais. — Lá, lá, lá. — continuava sem parar.

Sangue espalhado por todo lado. Corpos mutilados. Tinha sido um massacre. Lucas chorava sem parar. Croco devorava o máximo de corpos que podia. Luiz olhou para Ariana. Ela estava tão calma. Em sua velhice, parecia que a qualquer momento também morreria.

— E agora? — disse se direcionando as sombras.

— Agora o show continua. O espetáculo só está começando. — soou a voz vinda das sombras. Nas trevas Ariana se mantinha viva. Uma força dentro dela a fazia continuar dia após dia até conseguir realizar o seu objetivo. Trazer a justiça para a terra. Salvar a vida de seus irmãos presos. Iniciar uma nova era.

Vol. 1 Heróis do Amanhã - NOVA ERA   Onde histórias criam vida. Descubra agora