Alice/ Escudo

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A barriga de Alice ronca quebrando o silêncio da floresta. Seus passos são cautelosos, mas a fome é incontrolável, assim como a sede que deixou sua garganta seca. Há dias vem fugindo, tentando despistar seus inimigos para não ser pega e exterminada. Alice e seu irmão  estavam escondidos na floresta fugindo do pior animal da terra, o homem.

A mata fechada parecia não ter fim. A luz diminua escurecendo os tons das árvores e da terra. Com o cair da noite ficava mais fácil de se esconder. O inimigo em algum momento precisava descansar. Mas antes ele daria mais uma investida.  
— Corra! — disse Alice por entre os dentes. Seu irmão ficou parado um tempo, parecia querer lutar.

— Não temos chance? — perguntou o jovem.

— São muitos. Nem pense nisso. —  Alice apontou para o norte e seguiram correndo por entre os caminhos mais difíceis para um ser humano comum, diferentes dos irmãos com suas habilidades que os faziam quase invencíveis.

Os gêmeos, Alice Maria e Alex Samuel estavam a um mês de completar  dezessete anos. Ao menos á uma década já viviam nas ruas como andarilhos sem rumo, confiantes apenas um no outro. Conheciam os caminhos por onde pisavam, sabiam dos bueiros e galerias subterrâneas. Toda a margem da sociedade reservada para eles tinha se tornado um imenso lar. Os ventos sopravam a brisa inebriante da floresta, a  terra com suas marcas já estava completamente escura. O plano tinha dado certo, Alice sentiu com o seu poder o inimigo recuar. Já fazia um bom tempo em que não eram casados, mas um deslize mudou tudo. Alice dizia para Samuel que precisavam de uma boa quantia em dinheiro para sair do Brasil e viver mais tranquilamente o mais longe possível de toda bagunça que os cercavam. O dinheiro veio fácil. Roubo. Os gêmeos entraram em um shopping durante a madrugada e explodiram uma loja de jóias. O alarme soou, mas conseguiram despistar os seguranças. No dia seguinte conseguiram dinheiro no mercado negro. Como tudo que vem fácil se vai fácil perceberam que havia um espião mapeando cada passo que eles davam. Alice consegue sentir com o seu poder as pessoas a sua volta e suas intenções. Fugiram de  um hotel de quinta categoria horas antes do camburão chegar rodeado de soldados do Complexo. Mas dessa vez foi diferente, um outro grupo, não de contenção e estudos. Pessoas vestindo preto e altamente armados com armas letais. A gêmeos chamaram a atenção de um grupo de extermínio é agora a luta pela sobrevivência estava estritamente acirrada. 

A caminhada havia sido longa e a madrugada avançava. Não  perceberam que já estavam em outro município. Ao longe avistaram uma luz. Era uma pequena igreja. Com um olhar de cumplicidade decidiram invadir o local em busca de comida. Alice usou o seu poder para mapear o lugar, descobriu que um padre dormia. Samuel quebrou a porta dos fundos silenciosamente. Acessaram a  cozinha, a luz estava acesa e para surpresa deles a mesa estava posta, com muita comida. Houve um estranhamento, mas as barrigas estavam roncando. Se olharam e sem pensar muito se fartaram sorrindo um para o outro enquanto comiam pão, queijo, geleias e bolachas e bebiam suco de laranja fresco. Parecia que a mesa tinha sido posta para eles. Mesmo se saciando Alice se mantinha em alerta.  

— Tem mais suco na geladeira. — ouviram a voz de um homem, o padre. Ele se aproximou, estava de batina e com um semblante cansado.

— Eu posso pegar, é de acerola. — o idoso debilitado pegou a jarra de suco gelado e colocou na mesa de maneira lenta e cautelosa como se não quisesse assustar dois pequenos animais selvagens.

— Tem bastante, podem se alimentar a vontade. — disse sorrindo para os gêmeos.

O idoso se sentou. Alice levantou. L
— Por favor. — pediu o padre com uma voz bondosa.

— Desculpe. — disse Samuel envergonhado.

— Pelo que? Crianças. A única coisa que tenho a oferecer é abrigo aos que estão cansados, e alimento aos que tem fome. — a voz do velho era baixa e gentil.

Vol. 1 Heróis do Amanhã - NOVA ERA   Onde histórias criam vida. Descubra agora