Agnes/ Oráculo

51 13 18
                                    

As noites se tornaram barulhentas com a tempestade que passava. Os últimos dias foram de muita chuva, com enchentes, frio e solidão. Marcos estava trabalhando em Brasília, César estava no quartel e Kendra havia levado seu pai para uma rápida viajem até Salvador, para vender a antiga casa deles. Na Bahia o clima estava melhor, o sol brilhava forte e quente. Os dias de frio e chuva eram uma tortura para Agnes que se alimentava da energia solar. Sem sol a paranormal se sentia desorientada e sem forças. Estava vulnerável.

Ainda deitada se revirava na cama, não tinha dormido bem nas últimas noites e sentia muito sono, ela quase não dormia em dias de calor, mas ultimamente era como se seu corpo inteiro quisesse hibernar até o sol raiar. Os dias cinzas eram assim.

Logo pela manhã Agnes tomou um banho bem quente, em dois dias o clima iria mudar, era apenas questão de tempo. Enquanto isso havia apenas sombras de uma noite sem fim. De volta ao seu aconchegante quarto Agnes se deparou com uma bandeja com duas xícaras, um pote de açúcar e uma garrafa de café evaporando em cima do criado mudo, ela serviu aquelas duas xícaras de café fumegante.

- O meu com bastante açúcar - sibilou uma voz arranhada pela velhice.
- Sim. - respondeu Agnes.
- Dia ruim? - continuou a voz.
- Dias felizes, independente de sol ou chuva, dias felizes.
- Você é uma artista. - a voz gargalhou.

Atrás de Agnes surgindo nas sombras projetadas, o breu ganhou uma silhueta de mulher, pouco a pouco a sombra se dissipava como um cobertor de seda sendo despido. A mulher era velha e encurvada, pele branca enrugada, olhos verdes que ainda preservavam uma beleza única, contida. A velha de cabelos longos e ralos caminhou lentamente até se sentar na cama, ao lado de Agnes.

- Com bastante açúcar. - disse Agnes servindo café para sua convidada que pegou a xícara com dificuldade.
- Obrigada. Já fazia tanto tempo que nem lembro o gosto, mas o cheiro, o cheiro eu sinto de longe. - a velha trêmula se esforçou para levar a xícara a boca.
- Agnes, eu senti sua falta. Sempre senti. - a velha disse.
- Eu também sinto a sua falta irmã.
- Não sabia que você sentia. Sente?
- Ariana, se tem uma coisa que você não pode duvidar é do meu amor por você.
- Amar dói.
- Muito. - Agnes não tirava os olhos da irmã, atenta a qualquer movimento suspeito. Ariana era como uma serpente a espreita que não avisava quando daria o bote. Ariana conhecia Agnes melhor do que qualquer um sabia como o poder de clarividência funcionava e analisava calculadamente a forma que Agnes agia. As duas sabiam uma da outra como se fossem reflexos contrários uma da outra.
- Sua pele está tão linda. - fixou os olhos em Agnes.
- Você me tirou muitas coisa. - disse com sua voz rouca e cheia de amargura. - Tirou-me do meu lar, da minha família, arrancou os meus sonhos como se fossem ervas daninhas e esmagou. - a xícara de Ariana caiu no chão, a porcelana se dividiu em vários pedaços. Ariana olhou para os cacos e ficou em silêncio para que Agnes sentisse. E sentiu. A conexão entre as duas era muito forte e Agnes conseguia sentir facilmente sua irmã. Ariana estava determinada a cumprir sua missão mesmo que pagasse com a pouca vida que lhe escorria pelos dedos longos e finos como galhos secos. Havia tanta escuridão e ódio que Agnes precisou respirar profundamente. Sua irmã era outra pessoa, não tinha mais a sede pelo poder, agora ela queria se embebedar de vingança.
- Seu cabelo está tão brilhante. - continuou a olha-lá com aqueles olhos, olhos de fogo e ódio. - Tirou-me o único amor que tive nessa vida. - Ariana meneio com a cabeça para que Agnes bebesse do café. - Vai esfriar. Não gostamos de café frio. Ariana começou a acariciar Agnes.
- Pele perfeita, corpo enxuto e vida. - arfou como se quisesse sugar toda aquela juventude para si mesma.
- há tanta vida em você e por que eu fedo a morte? Por que? Responde por que? Somos ExtraOrdináriaS! Somos deusas! Somos irmãs gêmeas! Por que eu fedo a morte e você não! Por que se parece com um mulher de quarenta anos enquanto eu desmorono! Por que eu estou morrendo de velhice e você não! Responda Oráculo! - Ariana estava sem força e arfava a cada palavra, trêmula ela deitou no colo de Agnes.
- Por que eu tirei uma coisa a mais de você. Uma glândula perto do córtex que tem a função de retardar o nosso envelhecimento. Eu não podia matar você. Prometemos. - Agnes acabou se descuidando e deixou que uma lágrima escorresse. Há muito tempo ela não chorava, mas agora chorou por que Ariana chorava também.
- Eu condenei você pelos crimes que cometeu. - houve um silêncio. Ariana fez força para conseguir se levantar e se sentar novamente.
- Você aprendeu algumas coisas, mas não foi comigo. Se fosse comigo saberia condenar alguém a morte. É por isso que você sofre tanto. Olha só, chorando por que eu vou morrer. E vou morrer por que você me condenou.
- Eu não me arrependo. Eu só queria que fosse diferente.
- Mas não é!
- Nunca será.
- Você sabe o que eu quero e eu sei que você vai tentar me impedir.
- Sim. - compreendeu Agnes. Ariana gargalhou, sua gargalhada era assustadora, ela sempre fingiu ser uma bruxa, fizeram isso dela e ela nunca percebeu que não precisava ser assim.
- Não vai me impedir sozinha.
- Não. - afirmou Agnes. Não adianta mentir, as duas se conheciam.
- Quem são eles? Tudo bem não precisa responder. - Ariana passou as finas mãos enrugadas no rosto de Agnes, as duas tinham cem anos, gêmeas idênticas por fora e completamente diferentes por dentro, os ideais não eram os mesmos e elas lutaram e continuariam guerreando uma contra a outra, mas havia algo anterior a ideais, ideologias ou a qualquer escolha, algo mais forte que as ligava, laços de sangue que mesmo rompidos ainda se conectavam. Isso criava uma estranha cumplicidade entre elas e que somente acabaria com a morte das duas.
- Aguie. - Ariana disse o apelido de Agnes. Isso significava apenas uma coisa. Guerra. - Quem será herói e quem será vilão? Quem vive e quem morre? - Ariana gargalhou enlouquecidamente. - As respostas queimam em sua língua. Está doendo e vai doer muito mais.
- Essas coisas não existem, são só pontos de vista, são somente percepções. - disse Agnes.
- A partir de hoje você vai sentir em cada nervo do seu corpo, músculos e ossos. - enquanto Ariana bradava suas palavras as sombras aumentavam e a envolviam, agora vestindo ela até se tornarem um só negrume esfumaçado. - Sempre sabe. - disse a voz se dissipando.

Vol. 1 Heróis do Amanhã - NOVA ERA   Onde histórias criam vida. Descubra agora