Capitulo 3

868 63 0
                                    

Na semana seguinte que o vovô morreu um policial veio até me casa pra pegar os depoimentos do ocorrido, eu disse que não sabia de nada, (mesmo sabendo) pois normais não conseguem lidar com etéreos, e disse que só havia chegado quando tudo já tinha acabado. Se nem nós peculiares conseguimos imagine os normais. Jake contou tudo que ele viu naquela noite e o policial perguntou para nossos pais se ele já tinha "conversado com alguém" sobre aquilo, claramente jake ficou com muita raiva (o cara chamou ele de louco com ele bem do lado!), ele mostrou o dedo do meio pro cara e saiu. Foi a primeira vez em semanas que eu vi meus pais brigando com meu irmão.

O policial e meus pais ficaram conversando lá fora por um momento e eu fui para meu quarto, nem sei o que aconteceu depois daquilo. Um tempo depois os policiais concluíram que foram cachorros selvagens que tinham matado meu avô, pois Ricky e Jake escutaram latidos na mata. Mas isso é um absurdo porque não faz sentido nenhum ser cachorros, que tipo de cachorro consegue fazer cortes tão longos e profundos! Que tipo de criatura normal consegue fazer isso! Nenhuma, e eu sabia disso, mas não podia falar pra ninguém, era mito frustrante isso.

A frustração era tão grande que eu só encontrava paz em garrafas de whisky e vodca, sempre que eu sentia que ia "explodir" ou que ia começar a chorar e não parar mais eu ia para minha Kombi parava ela na esquina e ficava no banco de trás bebendo, e enquanto bebia eu lia, ou desenhava, dependia do dia, mas era mais comum eu desenhar, eu tenho um caderno (que hoje já são vários) que eu levo para todos os lugares, tinha dês de quando eu era pequena. Mas tinham dias que eu bebia a garrafa toda de bebida e acabava dormindo lá mesmo, acordava com Jake batendo na porta porque já estava noite, ele que levava a Kombi até a nossa casa pois eu não estava em condição de fazer isso.

Jake finalmente concordou com nossos pais em ver um terapeuta, eu achava que era impossível fazer um trabalho tão rápido, mas em duas semanas, para minha decepção, o terapeuta conseguiu convencer ele que tudo aquilo que aconteceu era coisa da imaginação dele, e que foram as histórias do vovô que tinham colocado aquele monstro na cabeça dele, que com o trauma tudo se potencializou e "se tornou real". Dr. Golan, o terapeuta, disse que meu irmão estava com algum tipo de reação aguda ao estresse pós-traumático. Mas não foi tão ruim isso, pois pareceu acalmar nossos pais e o Jake, pois ele estava convencido que estava ficando louco.

Jake uma vez me contou um dos seus pesadelos com as criaturas, ele sempre contava as coisas pra mim porque ele sabia que eu ia escutar ele e não ia julga-lo, o pesadelo que ele me contou foi assim, contando nas palavras dele: "estou encolhido no canto do quarto do meu avô, a doentia luz cor de âmbar do crepúsculo penetra pela janela e ilumina uma espingarda de ar comprimido de plástico perto da porta. No lugar da cama ergue-se uma máquina dessas de vender produtos, enorme e reluzente, cheia não de doces, mas de fileiras de facas militares afiadas e Glocks carregadas com balas dundum. Meu avô está parado em frente a ela em um velho uniforme do exército britânico e a alimenta com notas de dólar, mas é preciso muitas delas para comprar uma pistola e nosso tempo está se esgotando. Finalmente vemos uma calibre 45 de aparência sinistra mover-se na direção do vidro, mas, antes de cair, fica presa. Ele xinga em iídiche, chuta a máquina, agacha-se ao seu lado e enfia a mão dentro dela para tentar pegar a arma, mas seu braço fica preso. É então que eles chegam, as línguas negras compridas deslizando pelo lado externo das vidraças à procura de uma entrada. Aponto a espingarda de ar comprimido para eles e aperto o gatilho, mas nada acontece. Enquanto isso, vovô Portman está gritando como um louco: Encontre o pássaro! Encontre a fenda! Yakob, por que você não entende, seu maldito yutzi idiota?, e então as janelas se estilhaçam e cai uma chuva de vidro, as línguas negras nos alcançam, e geralmente é aí que eu acordo numa poça de suor, o coração acelerado e um nó no estômago."

Eu sempre tento deixar ele em prioridade, porque ele está passando pelo inferno agora né, e eu entendo. Tenho que ajudar meu irmãozinho sempre né, mas não é bom isso, as vezes precisamos nos cuida também, eu estava bebendo muito e meus pais começaram a perceber isso, mas como estavam ocupados demais tomando conta do Jake nem ligaram muito. Mas eu estava começando a entrar em depressão, eu já não me cuidava tanto, bebia muito, só sabia ficar deitada. Nem desenhar ou mandar cartas para o Enoch, que eram as coisas que eu mais amava fazer eu fazia.

A única coisa que me ajudou com essa situação toda foi que dr. Golan disse que os sonhos iam desaparecer se ele tentasse desvendar as últimas palavras do vovô, e ele me pediu ajuda para isso. As últimas palavras foram pra ele achar a fenda, alguma coisa sobre um tumulo e alguém chamado Emerson. Eu sabia exatamente o que significavam, mas eu não podia dizer, então fui ajuda-lo.

Primeiro jake achou que a fenda fosse algum tipo de beco no condomínio e que Emerson fosse alguém que morava lá e que esse beco fosse perto de algum cemitério. Mas nós fomos até o centro comunitário, onde os velhos iam para socializar, mas nada. Não havia nenhum cemitério e nenhum Emerson lá.

Depois o terapeuta sugeriu que ele procurasse um autor que chama Ralph Waldo Emerson. Jake disse que esse autor poderia ter escrito alguma carta ou alguma coisa que tinha algum significado pro vovô, alguma coisa com a data de 3 de setembro de 1940. Pesquisando um pouco mais sobre esse autor descobrimos que ele escreveu algumas cartas, jake ficou muito animado por um momento, mas depois ficou evidente que não era isso, pois ele viveu e morreu no século 19, por isso não poderia ter escrito nada nessa época.

Ele já estava sem esperanças em relação a isso, e eu não poderia culpar ele né, mas não podia fazer nada. Quando ele desistiu voltei a meu estado de tristeza e monotonia profundos, e as únicas razões de eu ainda me manter viva era, primeiro, eu não poderia morrer antes de encontrar a fenda, e eu PRECISAVA conhecer o Enoch. Minha vida não poderia acabar enquanto eu não encontrasse ele e contasse o que eu realmente sentia. Eu não poderia fazer isso por meio de uma carta por que não é assim que se faz pra contar que gosta de alguém. Mesmo que esse alguém não gostar de você, ser 100 anos mais velho ou morar em uma fenda que você não tem certeza que quer ficar. Mas não se escolhe o amor. 

Peculiar historyOnde histórias criam vida. Descubra agora