Capítulo 24

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Passamos por uma porta pendurada nas dobradiças e entramos em um mar de podridão escura e fedorenta. Quando pisamos no chão, nossos pés afundaram naquela imundície nojenta, e aí me dei conta de onde estávamos.

— O que é isso? — murmurou Enoch, e foi quando o som da respiração de um animal nos deu um grande susto. O lugar estava cheio de ovelhas, que, como nós, buscavam abrigo naquela noite pouco amistosa. Conforme nossa vista se acostumou com a escuridão, vimos o brilho nos olhos delas, que nos miravam. Dúzias e dúzias delas.

— Isto é o que acho que é? — perguntou ele, levantando um pé cuidadosamente.

— Não pense nisso — retruquei. — Vamos, precisamos nos afastar da porta.

Tomei-o pela mão e entramos na casa, serpenteando em meio a um labirinto de animais nervosos que se esquivavam ao nosso toque. Seguimos por um corredor estreito e chegamos a uma sala com uma janela alta e uma porta ainda presa ao batente e fechada contra a noite, que era melhor do que todos os outros aposentos. Fomos até o canto mais distante e nos agachamos para esperar e escutar, escondidos atrás de um muro de ovelhas inquietas.

Tentamos não afundar demais na sujeira do chão, mas na verdade não havia como evitá-la. Após um minuto sem conseguir ver nada, comecei a distinguir algumas formas ali dentro. Havia caixas e caixotes empilhados num canto e ferramentas enferrujadas apoiadas contra a parede às nossas costas. Procurei algo afiado o bastante para servir de arma. Vi algo parecido com uma tesoura gigante e me levantei para apanhá-lo.

— Está pensando em tosquiar alguma ovelha? — disse Enoch, sarcástico.

— É melhor que nada.

Quando Enoch pegava a tesoura da parede, ouvi um barulho do outro lado da janela. As ovelhas recuaram assustadas e, nervosas. Então uma língua negra e comprida penetrou pela moldura sem vidro. Agachei-me no maior silêncio possível. Coloquei a mão na boca para silenciar a respiração. A língua examinou o aposento como se fosse um periscópio. As ovelhas se encolhiam para longe dela. A língua parecia provar o ar à nossa procura. Por sorte, tínhamos nos escondido no aposento mais fedorento da ilha. Todo o odor das ovelhas deve ter mascarado o nosso cheiro, porque, após um minuto, a língua pareceu desistir, enrolou-se para fora da janela outra vez, e ouvimos os passos da criatura se afastando. Nós dois soltamos a respiração ao mesmo tempo.

— Quero que saiba uma coisa — disse eu. — Se escaparmos desta, vou ficar aqui.

Ele colocou a mão no meu rosto.

— Está falando sério?

— Não posso voltar para casa, não depois do que aconteceu. E depois, eu devo a vocês toda a ajuda possível e muito mais. Vocês estavam perfeitamente seguros até nós chegarmos aqui.

— Se passarmos por isso — disse ele, inclinando-se para mim —, eu não me arrependerei de nada.

Então algum ímã estranho fez com que nossos rostos se atraíssem e começamos a nos beijar, mesmo nessa situação meio nojenta. Por um momento tudo pareceu parar e me esqueci de onde estávamos agachados e da criatura que estava em nossa caça. Podíamos

estar em qualquer lugar, ele e eu, duas pessoas já não distantes, com os lábios grudados, até que nosso momento foi estilhaçado por balidos agudos e aterrorizados vindos do outro aposento. Nós nos afastamos no momento em que o barulho apavorante agitou as ovelhas ao nosso redor, fazendo-as se chocar umas contra as outras e nos imprensar contra a parede.

Com certeza a fera não era tão burra quanto eu esperava. Podíamos ouvi-la atravessando a casa em nossa direção. Se havia tempo para correr, esse momento tinha passado. Nós nos enfiamos na lama fétida para nos esconder e torcemos para que a sombra da morte não nos percebesse.

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