Capítulo 21

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Os ilhéus costumavam fazer pronunciamentos sombrios sobre o que a Mãe Natureza tinha reservado para Cairnholm — afinal de contas, estavam todos à mercê do clima, e eram naturalmente pessimistas —, mas desta vez seus piores temores se confirmaram. O vento e a chuva que tinham fustigado a ilha durante toda a semana ficaram mais fortes naquela noite e se transformaram em um bando sinistro de nuvens de tempestade que se aproximavam, negras, no céu e transformavam em espuma as águas do mar. Em meio a rumores sobre Martin ter sido assassinado e sobre o clima, a cidade se fechou de modo mais ou menos semelhante à casa onde viviam as crianças. As pessoas ficaram confinadas em suas residências. As janelas foram fechadas e as portas, bem trancadas e bloqueadas. Os barcos batiam contra seus atracadouros com as ondas pesadas, mas nenhum deixou a baía; sair para o mar naquele clima seria suicídio. E, como a polícia do continente não podia recolher o corpo de Martin até que o mar se acalmasse, ele foi guardado no gelo, nos fundos da peixaria. Eu estava sob ordens estritas de meu pai para não deixar o Buraco do Padre, mas também tinha instruções de contar qualquer acontecimento estranho à srta. Peregrine, e, se uma morte suspeita não fosse um acontecimento estranho, nada mais seria.

Por isso naquela noite fingi que estava meio gripada e me tranquei no quarto com meu irmão, jake me ajudou com o plano, ele fingiu que ia ficar comigo se eu precisasse de alguma coisa e então saímos pela janela e descemos pela calha até o chão. Ninguém mais seria idiota o bastante para estar fora de casa, por isso saímos correndo pela trilha principal sem medo de sermos vistos, com o capuz da capa de chuva bem preso em torno do

rosto para me proteger da chuva de vento.

Quando chegamos à casa, a srta. Peregrine nos olhou e logo soube que havia algo errado.

— O que aconteceu? — perguntou, com os olhos injetados fixos em mim.

Contei tudo a ela, um resumo de todos os fatos e rumores que escutara, e seu rosto empalideceu. Ela apressou-se a me levar para a sala de estar, onde, em pânico, reuniu todas as crianças que pôde encontrar e, em seguida, saiu andando a passos largos para procurar as poucas que, aparentemente, ignoraram seus gritos. O restante foi deixado ali, sem saber o que estava acontecendo.

Emma e Enoch me deram uma prensa.

— Por que ela está tão nervosa assim? — perguntou Enoch.

Contei a eles sobre Martin em voz baixa e cautelosa. Enoch inspirou fundo e Emma cruzou os braços, preocupada.

— É mesmo tão ruim assim? — Jake perguntou. — Quero dizer, não podem ter sido etéreos; eles só caçam peculiares, certo?

— Você conta a eles ou quer que eu faça isso? — resmungou Emma.

— Os etéreos preferem peculiares a pessoas comuns — explicou Enoch —, mas eles comem praticamente qualquer coisa para se sustentar, desde que seja fresco e tenha carne.

— É uma das maneiras de saber se há etéreos por perto — disse Emma. — Os corpos vão se amontoando. É por isso que eles são essencialmente nômades. Se eles não mudassem sempre de lugar, seria simples rastreá-los.

— Com que frequência — perguntei, com um frio subindo pela espinha — eles precisam comer?

— Com muita frequência — disse Enoch. — Arranjar as refeições dos etéreos toma a maior parte do tempo dos acólitos. Eles procuram peculiares quando podem, mas uma enorme porção de sua energia e trabalho é gasta em busca de vítimas comuns para os etéreos, tanto animais quanto humanos, e depois para esconder a sujeira. — O tom de Enoch era macabro, como se contasse uma história de terror em uma roda de amigos.

— Mas os acólitos nunca são pegos? — Jake perguntou. — Quero dizer, se eles ajudam a assassinar pessoas, é de esperar que...

— Às vezes são — disse Emma. — Aposto que você já ouviu falar de alguns deles, se acompanha o noticiário. Um sujeito foi encontrado com cabeças humanas guardadas na geladeira e pedaços de tripas e entranhas em uma panela sobre fogo baixo, como se estivesse preparando uma ceia de Natal. Na sua época, não deve ter sido há muito tempo.

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