Capítulo 49

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- Muito bem.- D. Dulce ergueu os olhos. Sabia que não havia mais como fugir daquela situação, tampouco mentir iria ajudar.- Vou lhe contar a verdade, senhora Rafaella. A moça do quadro é...irmã do senhor Vargas. 

- Quê? - Rafa franziu o cenho.- Irmã? Mas você mesma me disse que ele não tem família, irmãos, nada! 
- Realmente agora não tem mais. O senhor agora é sozinho. 
- Então...esta moça...irmã dele...está morta?? - Rafa sussurrou. 
- Sim. - D. Dulce soltou o ar. - Já que não tenho saída, vou contar a história completa. 
Rafaella assentiu, temerosa. 

- Felippe perdeu os pais muito novo.- D. Dulce disse. - Não devia ter sequer quatro anos. Por isso nunca pôde conhecer o amor fraterno. Porém, ele não estava totalmente sozinho.Tinha uma irmãzinha de um ano de idade. Se chamava Isabella. Isabella Vargas foi uma das mulheres mais bondosas e alegres que já conheci.- D. Dulce assumiu ar nostálgico e triste.

- Eu presenciei o crescimento de Isabella e Felippe. Já trabalhava para a família Vargas à muito tempo, por isso quando faleceram eu não pude ir embora. Isabella com apenas um ano, e Felippe tão pequeno. Assim os dois cresceram cercados de luxo, dinheiro devido à herança deixada para eles, e empregados. Mas isto não representava nada, no fundo os dois irmãos só tinham um ao outro.
Felippe se sentia obrigado a proteger a irmã em todas as situações, pois era o mais velho e a única coisa que a pequena Isabella tinha. Assim os dois cresceram, Isabella dependia inteiramente de Felippe e ele se
sentia no dever de cuidar dela. E posso lhe dizer, senhora, nunca em minha vida eu vi irmãos mais unidos. Era uma coisa bonita, Isabella era a alegria de Felippe. Faziam tudo juntos, ele se preocupava muito com ela. Um completava o outro. O senhor Felippe era um rapaz relaxado, alegre e risonho, por mais que se responsabilizasse pela irmã.

Rafa engoliu em seco. Nem que se esforçasse conseguia imaginar o marido alegre e risonho. 

- Mas um dia houve um acidente.- D. Dulce olhou para baixo, a voz baixa.- Felippe e Isabella haviam saído juntos para cavalgar. Era um dia de sol, ninguém poderia imaginar...bem, foi uma tragédia. O cavalo da senhora Isabella perdeu o controle, correu para fora do alcance de todos. O senhor fez de tudo para impedir, foi atrás, mas antes que pudesse fazer algo o cavalo jogou a senhorita Isabella longe. Quando a pegaram, já estava morta. 
Rafaella tapou a boca com as mãos.

- Oh, não.

Então era por isso que Felippe odiava cavalgar, e não permitia que Rafa andasse à cavalo!

- Sim.- D. Dulce conteve as lágrimas, abalada.- E era tão jovem...tão bonita, com o coração enorme. Na época a família Vargas não morava aqui, morava em  outra cidade. Na cidade todos conheciam a vida de todos, e foi um abalo para as pessoas. Isabella era muito cativante, todos da cidade gostavam dela.

- E como Felippe reagiu à tudo isso?- Rafa murmurou, com os olhos ardendo.

D. Ducle balançou a cabeça.

- Senhora, a irmã era tudo na vida do patrão! Era seu mundo! Quando ela morreu, deixou todos desnorteados. Felippe ficou sem chão, tudo desmoronou. E como se não fosse suficiente, a cidade inteira o acusou de assassino.

- Não.- Rafa balançou a cabeça.- Mas ele não teve culpa! 
- Não.- D. Dulce concordou.- Mas por Isabella ter morrido quando estava cavalgando com Felippe, e ninguém mais, colocaram a culpa nele. Todos se puseram contra o rapaz, acusando-o de forma infame e sem piedade.

Rafa estava incrédula.

- Mas...e depois?
- Bem. O senhor Felippe saiu da cidade e abandonou tudo. Dos criados, somente eu o acompanhei. Depois de toda a tragédia, o patrão perdeu o sentido para viver. Perdeu a alegria, perdeu tudo. Construiu esta mansão e se isolou aqui, sozinho. Nunca mais foi o mesmo. O rapaz alegre, cheio de vida, morreu com a irmã. Só restou amargura, tristeza e solidão.
Felippe se culpa até hoje pela morte da irmã.

- Mas... D. Dulce, ele não a matou! Foi um acidente!- Rafa disse alto.

- É claro, senhora! Nunca o culpei! Mas Felippe se sentiu tão mal por não ter conseguido fazer nada para impedir a morte da irmã, que se auto denominou o assassino! Afinal, ele era o único que poderia ter feito algo, mas não conseguiu...a tragédia foi mais rápida. 

- Então...- Rafa engoliu em seco, a garganta ardia.- É essa a razão...é por isso que Felippe se tornou tão frio e maldoso?

- Sinceramente, não posso julgá-lo.- D. Dulce admitiu.- Lhe tiraram tudo, senhora. Não teve pais, e a única coisa que lhe dava sentido à vida lhe foi tirada de maneira cruel. E ainda foi acusado e julgado por isso, como um assassino impiedoso. Depois de tudo, só o que restou para que o patrão continuasse vivendo foi a arrogância e a solidão. Foi a maneira que o senhor achou para se defender, para esconder o passado e não sofrer por mais nada. No fundo só o que lhe restou para oferecer à vida, foi crueldade e decepção. - D. Dulce deu um suspiro de lamento.- O coração se transformou em gelo, e não há como culpá-lo por isso.

- Não, não há como culpá-lo.- Rafa sussurrou, por fim entendendo e ligando tudo em sua mente.

Afinal, viu que Felippe não era o monstro cruel e frio que ela sempre vira.
Era apenas um ser humano ferido e sem esperanças...

Um Casamento forçado Onde histórias criam vida. Descubra agora