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Helena ficou sem reação. Os pais que, até onde conseguia se lembrar, nunca jantavam fora, nunca faziam compras no shopping e a vestiam com roupas de brechó, eram ricos. A herança não lhe encheu os olhos, afinal se Francis e Tereza não a quiseram como filha, não queriam que ficasse com o dinheiro muito menos.

― Porque fugiram com tão poucos? ― Ela sussurrou a pergunta que lhe incomodava.

― O que disse? ― Ivan perguntou.

― Nada, por favor, continua.

― Francis e Tereza Crawley tiveram a sua morte presumida decretada há dezessete anos, mas com uma ou duas visitas providenciarei o registro apropriado no Livro da Arvore da Morte. ― Vilna bufou. ― Contudo, para a abertura da sucessão e para que você possa se apossar dos seus bens de maneira estritamente correta, precisamos verificar a sua escritura no Livro de Todas as Árvores...

― Quanto a isso receio que temos um impedimento, você deve se lembrar do incidente com Gago, certamente. ― Mencionou Ivan.

― Ah, isso, pensei que essa questão já estivesse resolvida. Talvez com três ou quatro visitas ao banco eu consiga pular essa trivialidade.

― Jones conseguiria de fato. Talvez você possa pedir a sua ajuda. ― Vilna intrometeu-se, enquanto retirava o carrinho de sucos e bolos.

― Na-na-não será necessário. ― Voght ficou vermelho feito um pimentão e tornou a secar o rosto.

Vilna deu de ombros e saiu. Recuperando-se, o advogado voltou-se para Helena.

― A senhorita possui algum documento? Visto de saída? Certidão? Alguma prova de que era filha de seus pais.

― Só tenho documentos humanos... naturais. ― Acrescentou, incerta.

― Não é o ideal, mas deve servir.

― Twyla pode verificar se o Arquivo Nacional já inseriu Helena no Livro de Todas as Arvores, mas deve levar alguns dias. ― Ivan assegurou. ― Pelo menos tranquilizaria o pessoal do banco.

Voght concordou com um aceno, enquanto verificava os seus três relógios em seu pulso.

― Bom, devemos ir ao Banco Central de Brascard o quanto antes para agilizar os trâmites. Precisaremos abrir um cofre em seu nome para que a herança possa ser transmitida depois que as verificações de praxe.

Helena fitou as partículas de poeira flutuante que os raios de sol expunham. Elas se moviam de acordo com as correntes de ar de um lado para o outro, nunca por vontade própria. Por um instante, Helena se comparou àquela partícula. Ela não se deu conta, mas Will a observava com os olhos semicerrados.

― Eu não quero! ― Disse, interrompendo a conversa no recinto. ― Aprecio a ajuda, mas não quero.


― O que você não quer Helena? ― Ernest perguntou. ― Sabe que como funcionário da sua família por anos, meu dever é atende-la.

― Isso, tudo isso! Eu não quero uma mansão ou o dinheiro deles, porque eles me abandonaram. Se não me quiseram como sua filha, porque iriam querer que eu ficasse com o dinheiro?

Uma atmosfera lúgubre recaiu sobre o recinto e só o que se movia eram as partículas de poeira através dos raios de sol. Todos nutriam o mesmo olhar, um misto de preocupação e pena.

― Os meus pais não me abandonaram, não é? ― Ela perguntou.

― Eles te deixaram sob a guarda de Maggie Dove por um tempo, pois viriam à Brascard. ― Ivan olhou de soslaio para Will, que desviou os olhos para a janela. ― Mas foram mortos e por isso não voltaram.

A sensação era como se o sol tivesse clareado a sua mente. Um momento de clareza que a fez repassar cada frase, ato ou circunstância sob uma nova ótica. Tudo havia mudado. O véu que subjugava a sua compreensão foi posto de lado e a verdade amarga lhe atingiu em cheio.

― Não...

Ela correu por corredores largos e por corredores estreitos e sufocantes sem saber direito que direção tomar. Bateu a cabeça num cano enferrujado e engoliu o choro até que chegou a porta do seu quarto e entrou como se sua vida dependesse disso.

Na escuridão do aposento se permitiu sentir o que por tantos anos reprimiu. Fora fácil odiá-los por todo aquele tempo e alimentar a certeza de que eles não faziam falta. Mas agora que tudo em que sempre acreditou foi posto à prova, emoções distintas a confrontavam. 

A caminho da cama os seus joelhos fraquejaram e ela caiu. As lágrimas vieram de imediato e tudo o que Helena queria era gritar para se livrar da dor, mas nenhum som saiu de sua garganta. Todo o seu corpo ficou petrificado, de repente o seu cérebro não seguia mais os comandos naturais que deveriam ser seguidos quando alguém cai no chão.

Não tinha forças para se levantar, não queria se levantar, queria estar com os seus pais, aonde quer que eles estivessem agora. Como um vidro se quebrando e partindo em vários pedaços, ela se deu conta de que estava sozinha e que todo amor que um dia alguém sentiu por ela havia ido embora, assim que seus pais se foram também.

Disse tantas coisas horríveis sobre eles. Desprezou tanto a sua existência, quando tudo o que eles mais queriam era voltar. Eu sou um ser humano terrível, pensou. A tristeza e a dor espalharam o fogo pelo seu peito. A raiva era perigosa, mas a tristeza poderia ser tão perigosa quanto. Ela tentou abrandar aquela sensação esmagadora, mas mal conseguia respirar.

― Helena? ― Chamou a voz.

Helena respirou fundo e se virou. Will a fitou com o semblante preocupado. A garota forçou a mente a se concentrar, pois não queria feri-lo. Não queria ferir mais ninguém.

― Você está bem? ― Ele perguntou, cauteloso.

― Eu passei metade da minha vida odiando os meus pais pelo o que eles fizeram. Que tipo de pessoa eu sou?

Will olhou para cada um dos lados do corredor, então entrou no quarto depois que não viu ninguém, fechando a porta atrás de si.

― Você prefere acreditar que foi abandonada do que acreditar que seus pais te amavam?

Will atravessou o quartão e estendeu a mão para ela.

― Finalmente eu posso amar os seus pais de volta. ― Ela se levantou. ― Mas isso não anula o fato de que eu fui horrível.

― Você era só uma criança lidando com os seus problemas. Os seus pais iriam quer que você ficasse com o dinheiro, que pudesse ter uma vida.

― Você está certo, talvez compre uma cidade e coloque meu nome nela. ― Helena disse em tom sarcástico.

Uma batida soou na porta e Charlotte pôs a cabeleira ruiva para dentro. Olhou de Will para Helena com uma expressão curiosa, em seguida crispou os lábios.

― Precisamos ir até o Banco.


***

Capítulo duplo para comemorar que entramos no ranking <3 O que vocês estão achando?

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