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― Você não vai conseguir notas boas se não praticar. ― Charlotte falou a caminho da aula.

― Eu sou boa nas aulas práticas! ― Helena se defendeu.

― Não estou falando disso, mas de história mágica e runas.

Helena gemeu. Ella estava impossível nas últimas semanas. Os seus nervos estavam ainda mais a flor de pele desde que...

― Lottie.

― Não me chama assim! Twyla é a única que me chama assim, porque eu não consigo dizer que tenho horror a esse apelido.

― Mas Will disse...

― Will é um mentiroso, Helena. Foi um erro ter confiado nele. Aposto que quer toda a glória do que nós vamos conseguir ao descobrir sobre os Profetas.

― Nenhuma atividade deles por enquanto? ― Helena tornou a perguntar.

― Além de pregar feito loucos, eles têm feito mais caridade do que o normal.

― O que não é nenhum crime.

― Não se você usa isso como propósitos escusos. ― Charlotte ponderou. ― Eu queria ter tempo para pensar no assunto, mas Ella me atolou de trabalhos.

― Porque Ella tem estado tão irritada ultimamente? Escrevi vinte páginas no seu último trabalho!

― Durante a guerra fomos traídos por alguns simpatizantes com a causa deles. ― Charlotte trincou o maxilar e cerrou os punhos. ―  Leon fora um desses.

― O assassino dos meus pais, eu podia imaginar, mas... Espera, Ella e Leon eram namorados?

― Não, pior. Eles são irmãos. Ella quem o denunciou e o prendeu depois que ele retornou. Ella recomendou que o próprio irmão fosse executado na época. Desde que Leon fugiu, ela não está triste, mas com raiva.

― Mas porque não foi?

― Um advogado, Strike Jones. ― Aquele nome lhe era familiar. ― Foi um escândalo na época, porque as investigações não costumavam ser contestadas.

― Posso imaginar.

― Ele argumentou que a confissão de Leon para ambos os crimes fora obtida mediante tortura e usou exemplos de países naturais. Muitos protetores ficaram ofendidos com a comparação.

― Espera... ambos os crimes? Você quer dizer a traição e o assassinato dos meus pais, não é? ― Elas estavam no corredor àquela altura.

― Will não te contou? ― Helena negou com a cabeça. ― Leon matou os pais dele também. Os seus pais vieram para Brascard para o funeral de Amélia e Rickard Cardragon.


Helena olhou de soslaio para Will durante o jantar. Os seus pais morreram nas mãos do mesmo homem que matou os pais dela. O quanto fui injusta, enquanto ele sofria a mesma dor que a minha? Ela se perguntava.

― Helena, você está aquecendo a mesa. ― Ele observou, sem olhar para ela.

Helena corou e voltou a se concentrar na própria comida. A curta de distância Charlotte e Thomas se entreolharam e desviaram o olhar rapidamente. Susan também reparou, assim como Helena, e afundou na cadeira.

― Vai ao Baile Invernal, Thomas? ― Ela chamou a sua atenção.

― Não sei, talvez...

Os boatos sobre a briga com Brandon e a sua detenção foram substituídos por suspiros e comentários animados sobre o Baile Invernal. Até mesmo a recente fuga de Leon dera lugar a suposições sobre a decoração, vestidos e todo o tipo de futilidade que Helena desprezava. O Baile Invernal marcava o fim das provas e o início das férias de julho.

― Um garoto do sétimo ano me convidou. ― Susan insistiu.

― Talvez você devesse ir com ele. ― Ele deu de ombros e tornou a observar a mesa de Charlotte.

Helena revirou os olhos. Susan terminou de começar em silêncio e depois saiu da mesa pisando duro.

― O que deu nela?

― Ela queria que você a convidasse. ― Helena deu um tapa na parte de traz da sua cabeça. ― Vai dizer que não percebeu?

Thomas negou e olhou indeciso para a direção em que Susan havia tomado.



Helena ajudou a Sra. Ryan com a louça naquela noite, já que Rufus estava fora cuidando dos qilins. Enquanto lavava os pratos, Mora suspirava, insatisfeita e preocupada.

― Sra. Ryan. ― Ela chamou, enquanto a velha senhora arrumava as sobras do jantar. ― Por acaso a senhora sabe de alguma história sobre... eles?

A cozinheira por pouco não deixou o prato de sopa cair. Mas recuperou-se no último segundo, evitando um desastre maior.

― A Lei Maior Nº 1 vale para todos, criança.

― Você não acha estranho esse segredo? ― Helena começou a secar os pratos. ― Nas terras naturais quando uma nação faz algo de ruim, eles são penalizados, mas a história nunca é apagada. Para que possamos conhecer o nosso passado e aprender com ele.

― Não encaramos as coisas dessa forma. A guerra que nos assolou não é a algo que queremos nos lembrar.

― Guerras são cruéis, eu sei, mas porque manter esse sigilo?

― Por vergonha e medo. Ninguém quer que a história se repita novamente.

― Então, as pessoas jovens como eu não tem o direito de saber? ― Ela questionou.

― Façamos um trato, chegará um dia, e você vai saber quando esse dia chegar, que eu estarei pronta para contar qualquer parte dessa história sangrenta que você deseja saber.

― Mas...

― Sem protestar! Agora, para cama, já passou do toque de recolher.

Helena deixou que a Mora finalizasse o trabalho e subiu as escadas pensativa. Pobre Sra. Ryan, pois quando esse dia chegasse, ela não a pouparia de nenhuma pergunta.

As sombras das estatua preenchiam o corredor mal iluminado. Passos apressados cortaram o silêncio vindos da direção oposta. Helena buscou refúgio na biblioteca e se escondeu nas sombras. Althariel andava num passo apressado e os cordões tilintavam em seu peito. 

― Mas não pode adiar nem mesmo por uma semana? ― Era Will em seu encalço.

― Não posso quebrar essa tradição, Sr. Cardragron. Nem mesmo por você.

Will bufou.

― Eu realmente sinto muito. ― Althariel finalizou.

Ele entrou na biblioteca e Helena se esgueirou pelos corredores escuros. Ela se agachou atrás de uma prateleira, quando viu entre as frestas dos livros, Ivan e Twyla entraram.

― Ele foi visto. ― Ivan tirou uma pesada e grossa capa preta das costas. Os seus cabelos estavam molhados.

― Onde? ― Twyla arregalou os olhos azuis.

― Ponte Quebrada. ― Ivan respondeu. ― Os Protetores Ativos no Rio de Janeiro garantiram que fora para lá que ele havia fugido.

― Mas algo chamou a sua atenção aqui. ― Althariel ponderou. ― Ou alguém.

― Vocês acham mesmo que ele vem atrás dela? Não acha que deveríamos cancelar o Baile Invernal.

― Isso chamaria muita atenção. ― Althariel negou. ― Não quero Mordhor usando isso como justificativa para manter Helena em “quarentena”.

― Alias Leon nunca entraria na Academia. Não com as todas as proteções que colocamos.

― Ainda assim é muito perigoso. Se Helena descobrir... ― Twyla pousou as mãos nas têmporas.

― Todos concordaram que a gravidez de Tereza era um dado muito cruel para ganhar as páginas na época de sua morte. Helena não vai descobrir.

Helena colocou a mão na boca e suprimiu um grito. Tereza estava grávida quando foi morta. As lágrimas brotaram dos seus olhos de imediato. O fogo despontou em seu peito e ela prendeu a respiração.

Althariel olhou para a prateleira que ela se escondia em semicerrou os olhos. Helena deu um passo silencioso para trás e depois outros e mais outro. Ela imergiu ainda mais no corredor escuro abarrotado de livros. As vozes se tornaram sussurros, até desaparecerem.

Ela desabou num beco sem saída e chorou em silêncio com as mãos sob os olhos. Sentiu a atmosfera do lugar mudar e quando levantou a cabeça viu o orbe de luz azul.

― Vai embora. ― Ela sussurrou entre os soluços. O orbe não obedeceu.

Helena se levantou e viu o orbe zanzar no ar e atravessar a estante, bem ao lado de sua cabeça. Ele retornou em seguida, chamando por ela. Ela retirou os livros, já estava cansada de fugir do que quer que fosse aquela coisa, mas só viu a parede de pedra espelhada. Não era isso que acontecia nos filmes. Ela bufou.

O orbe retornou e pousou na sua mão. Era como segurar uma estrela. Ele conduziu a mão de Helena até a parede fria, que refletia os seus movimentos formando pequenos espinhos espelhados que se movimentado conforme o seu toque.

Os espinhos finos e perigosos encostaram na palma da sua mão, avaliando, esperando. Até que se retraíram e voltaram a formação original. Uma parede espelhada. O som de um clique ecoou pela biblioteca e a estante abriu-se como uma porta oculta. Revelando um corredor escondido e uma infinitude de livros. 

O orbe zanzou até lá, mas Helena apenas observou. Insegura, ela caminhou até aquele corredor e só olhou para trás quando ouviu novamente o clique. A porta espelhada havia se fechado, trancando-a ali.

Eram centenas de livros dispostos em estante paralelas. Pelos poucos títulos que leu soube que se tratavam de livros invocatórios. A sua cicatriz queimou em suas costas e ela tratou se aproximar do orbe.  A única fonte de luz no lugar.

O orbe parou de frente para um livro fino de capa dura no topo de uma estante.

― Você quer que eu pegue? ― O orbe zanzou para cima e para baixo. ― Vou supor que isso é um sim.

Ela pegou o objeto. A cicatriz em suas costas tornou a queimar, mas ela ignorou. Não havia título ou qualquer coisa escrita em seu interior. Apenas duas iniciais. B.L. Já tinha visto aquilo em algum lugar, mas não lembrava onde. 

― O que eu devo fazer com isso?

O orbe continuou o seu caminho rapidamente. Helena correu para alcança-lo com o livro na mão. O orbe se apagou bem a tempo de ela ver outra parede espelhada. Tudo era escuridão. Não conseguiu parar até atingir o espelho.

Ela esperou o impacto que não veio, apesar de cair no chão para frente. Foi como atravessar um véu de tecido fino. Quando se levantou, com os joelhos latejando por ter caído de quatro no chão, olhou ao redor. A parede espelhada atrás de si refletia dezenas de Helenas com expressão embasbacada.

O Clube dos Perdidos.

Ela não queria fazer barulho, mas permitiu que os soluços escapassem. Uma fonte de luz se acendeu e ela imaginou que se tratava do orbe retornando para lhe atormentar.

― Helena? ― Will esfregou os olhos. ― Não vi você entrar.

Não percebeu que não estava sozinha, se soubesse.... Sem controle, ela chorou e ele foi ao seu encontro. O desespero marcado no rosto.

― O que houve? Por favor, me fala. Brandon te atacou de novo?

Ela fez que não com a cabeça.

― A minha mãe...  A minha mãe estava grávida quando foi morta.... Eu soube dos seus pais, eu sinto muito. ― Ela soluçou. 

Will a abraçou e pousou a mão na parte de traz da sua cabeça. Os seus soluços se intensificaram e ela não soube por quanto tempo permaneceu ali. Ele não disse nada e nem ela, mas naquele abraço trocaram confissões não-ditas.

As Raças IrmãsOnde histórias criam vida. Descubra agora