O Bailarino de Arcéh

UM PEDIDO INESPERADO (PARTE 12)

#pratodosverem | Descrição da imagem: sob um fundo branco, há um pedaço de braço congelado caído. O membro possui rachaduras por toda a sua extensão e partes do braço estão ao redor.

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SÂMIA DESPERTOU DE SEU TORPOR QUANDO O SINO DA TORRE NORTE BADALOU CINCO VEZES. A madrugada já se esvaia rumo a outras partes do mundo e o som indicador das cinco horas da manhã também anunciava problemas para a garota: tinha pouco tempo para deixar a ponte sem ser vista.

E ainda tinha a situação de Madame Lita.

— Vó... Acorda, vó... - a senhora resmungou algo sem abrir os olhos. Sâmia tentou mais uma vez, porém, logo desistiu: não podia exigir energia de uma idosa recém-ressuscitada. A neve caía em um ritmo constante e o vento passeava por entre as estátuas e cantava uma canção cheia de morbidez, como se arranhasse com lâminas a superfície congelada dos cadáveres.

Somado a isso, havia os olhares.

Era estranho ser a única pessoa acordada em meio àquele ambiente sem vida. A garota sentia-se observada, como se a qualquer instante alguma das estátuas fosse se mover e partir para cima dela. A poucos metros, um senhor de chapéu observava cada uma das suas frustradas tentativas de acordar a avó, enquanto a esposa de braços dados com ele tinha a boca em um esgar sem fim.

Sâmia foi até eles e parou frente a frente ao casal. Ergueu a mão e estava prestes a tocar no rosto da mulher quando a avó se agitou.

— Sâmia... Onde estamos...?

— Na... ponte... N-Nós sobrev...

Não precisou continuar. Madame Lita levantou-se, as pálpebras semicerradas. Cambaleou de um lado para o outro e esbarrou na estátua de um jovem cujo interesse franzido se voltava para o oceano. Para o desespero de Sâmia, o impacto causou uma rachadura e o braço do rapaz foi ao chão.

A menina correu para socorrer a avó e desviou o olhar para longe da cena, temerosa pelas consequências daquele esbarrão. Imaginou sangue e pedaços de carne espalhados e o vermelho como símbolo de uma profanação sem precedentes na história da cidade. Contudo, ao ajudar Madame Lita a se equilibrar, deparou-se com pedaços de gelo espalhados próximos aos pés e nada mais além disso.

Ao analisar o braço decepado do jovem, qual não foi a surpresa ao ver apenas gelo no lugar de veias, músculos, tendões e ossos: o congelamento dos arcéh crentes no poema da Nyrill era completo, por dentro e por fora.

Não havia escapatória.

Tentando se recompor do choque, passou os braços da avó em torno do próprio pescoço e trataram de sair dali o quanto antes. Se o fato de serem duas sobreviventes da noite da Nyrill já traria problemas às duas, imagine duas sobreviventes capazes de profanar cadáveres.

Estariam perdidas.

Desviaram-se das estátuas com o cuidado de não tropeçarem em nada e antes do sexto badalar na Torre Norte já estavam dentro da casa de Lita Delgo, com a senhora desmaiada no sofá e Sâmia jogada no tapete da sala, os pensamentos em ebulição e o corpo prestes a se entregar ao sono.

"O que foi que eu fiz...?"

A frase surgiu junto à figura do deus e, só então, ela atentou para os fardos conquistados para si naquela noite: cuidar de Madame Lita para entregar a mulher ao senhor do frio dali a dez anos, guardar o segredo sobre o fato das duas serem sobreviventes daquela noite e, acima de tudo, conviver com a desconstrução do mito da Nyrill de Arcéh e guardar esse segredo a sete chaves.

Preferiu não pensar em como seria a reação dos arcéh diante do deus, porém, aos primeiros minutos de sono, viu a cidade em queda enquanto o povo marchava com tochas e armas nas mãos.

De fato, a partir daquele dia, seus sonhos nunca mais seriam os mesmos.

E aqui chegamos ao final do primeiro capítulo. A partir daqui, Sâmia tem as portas abertas para correr em sua aventura por Arcéh. Mais personagens, mais curiosidades, mais reflexões...

Muito obrigado pelo apoio, pelos votos e por cada comentário. São incentivos muito importantes; são abraços separados por uma tela. :-)

Henggo.

P.S: deixo abaixo um aperitivo em imagens do que virá pela frente...

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#pratodosverem | Descrição da imagem: compilação com algumas imagens que estarão nas partes seguintes do segundo capítulo. Não se preocupe: cada uma delas será descrita conforme apareça no texto. 

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